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17 dezembro, 2012

Frase

"Não quero conversar, queria você aqui. Agora é impossível. E não adianta eu xingar o mundo por causa disso."

15 dezembro, 2012

Conto - Delírio



Acordei ontem às quatro horas da manhã sem entender bem o porquê. Sentei na cama e abri os olhos sem sono, o mundo parecia mais verde do que o normal.

Levantei e fui buscar um copo d'água. Ouvi um barulho quando estava no corredor. Meu irmão estava dormindo fora e minha irmã fora visitar meus pais em outro estado, não era pra haver barulho.

A curiosidade foi maior que o medo.

Havia um sátiro na cozinha, inclinado para dentro da geladeira, de costas para mim. Era alto, peludo e assustadoramente real. Pigarreei. Já que estava sonhando, pelo menos ia querer uma satisfação daquilo.

Ele virou a cabeça lentamente em minha direção. Os olhos eram amarelados, os dentes achatados e o queixo barbudo. Da testa brotavam dois chifres espiralados, curvando-se para trás da cabeça. Um deles tinha a ponta lascada.

- Você está sem leite - disse, com uma expressão aborrecida. Sua voz soou como um balido de cabra, o hálito insuportável.

- É... Acabou - respondi. - Você é o Diabo?

Ele pareceu mais constrangido do que ofendido. Mirou os próprios cascos e colocou as mãos para trás, como uma criança envergonhada.

- Meu nome é Carlos - disse. - Eu pareço com o diabo? - perguntou inseguro.

"Sem sombra de dúvida", pensei.

- Não - respondi. - Só estava checando!

Ele soltou um breve balido e voltou a mexer na geladeira. Encontrou uma lata de pêssego em conserva e sorriu para mim.

- O que você está fazendo na minha cozinha? - perguntei. - Ainda mais uma hora dessas!

- Procurando comida. O que mais parece? Não é fácil encontrar comida de verdade ultimamente. Achei que ia encontrar um pouco de leite... - respondeu, abrindo a lata com uma única mordida na tampa.

- Ah... Entendi. A gente tem cada sonho, né?

Ele parou de comer e me olhou com legítima curiosidade. os olhos se estreitando e as enormes orelhas de animal abaixando rente à cabeça. Ficou por quase meio minuto assim e por fim disse:

- Verdade. Sonhos são mesmo estranhos. Mas você não está sonhando! - derrubou um pouco de calda de conserva no chão.

"Aham", concordei em silêncio. Já era hora de continuar dormindo e mudar um pouco o rumo das coisas.

- Carlos, me faça um favor. A diarista só vai vir na sexta-feira e eu não tenho tempo pra limpar a bagunça direito durante a semana. Não esqueça de fechar a porta da geladeira quando terminar e limpar qualquer sujeira que fizer antes de ir embora, ok?

O enorme sátiro baliu. Não soube se ele ria ou se resmungava, mas seu rosto pareceu contrariado.

- Compre leite! - foi a única resposta, antes que voltasse a se entreter com os pêssegos.

Voltei para a cama e dormi novamente. Sonhei com viagens pela Itália e com sorvete de maçã verde com chocolate branco. Acordei quase meio-dia, desesperado por ter faltado no trabalho. Nem me dei conta de que estava de férias.

"Sonho bizarro", pensei enquanto trocava de roupa. Escovei os dentes, lavei meu rosto e comecei a pensar em qual restaurante próximo de casa ia almoçar. "Sátiro".

Peguei as chaves do carro em cima da mesa da sala e fui para a cozinha. Para sair do apartamento pelos fundos, como sempre faço.

Fechei a porta da geladeira, joguei a lata de pêssegos vazia no lixo e passei um pano molhado no chão.

E então gritei.

06 dezembro, 2012

Intertemitência

"Houvera sim, um início. Tão longínquo e imensurável quanto o fim tardio. Com seu ator mais importante, também o maestro de tal arte vindoura. Alguém tão ausente e distante quanto o acariciar do pensamento no ápice do céu vivo e sublime.

Houvera sim, um fim. Tão próximo e inimaginável quanto o início antecipado. Com seu aprendiz mais ávido, também o mestre de tal obra definitiva. Alguém tão presente e próximo quanto o ferir do sentimento na profundeza do abismo morto e palpável.

E entre o início e o fim, houvera sim, um todo preenchido e intermitente. Que nós, espectadores do infinito, batizamos de Deus."

- O Indecifrável Mundo Novo, As Crônicas do Mundo Novo

24 novembro, 2012

Sonho - Sermão

Tive um sonho realmente estranho hoje. Sonhei com um sermão religioso e desconexo, ministrado por um homem vestido como um empresário. Ele era jovem e parecia ter os trejeitos de um vendedor, e seu discurso parecia o de um livro de auto-ajuda, mas não havia nada a ser vendido e ninguém a ouvir o que ele falava além de mim.

Ele citou trechos da Bíblia que conheço muito bem, mas misturou elementos anacrônicos e sem coesão, como se contasse uma história de mestres dialogando e de referências ocultas relacionadas umas às outras, mesmo sendo de épocas e contextos diferentes.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a frase proferida antes do meu despertar, tão nítida que acordei com a voz dele ecoando em minha cabeça e com as palavras saindo de meus lábios sem nenhuma alteração. Ela teria sido supostamente proferida por Jesus, em um momento inexistente das escrituras, que ao acordar procurei sem sucesso tanto na internet quanto na bíblia que tenho aqu
i comigo. A frase dizia:

"Ao empírico todos alcançam. Ele não é o diferencial, é o lugar comum. Domine-o mas não o viva, sublime sua essência buscando o que há além do sabido por todos. Conheça o mundo usando as faculdades mentais que lhe foram dadas e, quando o vislumbrar em sua real forma, a verdade de Deus lhe será revelada e você se tornará parte do uno. Esse é o verdadeiro louvor divino."


Logo após esta frase eu acordei. Mas o trecho não saiu da minha cabeça. O parágrafo não estava literalmente escrito desta forma (só a primeira oração era idêntica), mas o sentido e a construção da ideia era esse.



11 novembro, 2012

Crônica - Óleo

Transpiro óleo. Sentado em frente ao computador sinto as pontas de meus dedos encobrirem o teclado com um gordura fina e inodora, quase decorativa. Incomoda mas não sinto nojo. É uma forma de marcar cada um dos meus pertences com partes de mim.

Meu aperto de mão é firme e os resíduos duradouros. Meu rosto é encoberto por uma camada protetora que o impede de suar com freqüência  Minha pele nunca está resecada e os cabelos reluzem sob o sol. Um castanho claro tão oleado que parece loiro escuro durante o dia e cinza claro de noite. Pontilhado por marcas brancas da caspa fracamente controlada.

Um esfregão na testa e as mãos ficam brilhantes. Mais um rumo à pia. O processo é repetido uma dezena de vezes por dia. Com um pouco de humor o óleo vira hidratante natural para outras partes do corpo: da testa para a nuca, das mãos para as coxas, das costas para os braços. Com irritação, o leite de colônia é um placebo. Temporário ou não, o óleo me acompanha. Inesgotável.

Minhas roupas são marcadas mesmo sem suor. Nas refeições, cheiro de comida; após o sono, algo que não sei precisar. As mulheres de minha vida dizem ser este meu perfume: impossível de definir, confortável, ainda que pungente.

E assim envelheço aos poucos, recoberto por um exoesqueleto particular e renovável. Um emissor de sinais químicos incontroláveis, marcando cada um de meus passos e toques. Meu modo pessoal e incômodo de ser onipresente.

05 novembro, 2012

Frase da Semana

"Quero consumir-te na beleza de suas curvas, como um amante alucinado consome a onipresente poesia."

21 outubro, 2012

Essência

Carregue o vídeo e ouça lendo.



Então começou. Tão breve e silencioso como um momento não notado. Inexorável. Os dedos encostaram o teclado, com o mesmo vigor e ritmo com que seguravam o lápis, e as palavras surgiram. Naturais como o respirar não percebido. Plenas.


Em meio à mente, de olhos fechados, ele sentiu a música das próprias idéias ecoarem. A cada letra um infinito se abria. Cada palavra uma realidade, mundos colidindo. A eternidade descrita em segundos de registro. Mesmo pequenas e limitadas, suas obras eram pedaços derramados de si. Daquilo que ele vive, do que é. Oxigênio interior.

E o céu caiu, e vulcões surgiram, e feras nasceram, e reinos caíram, e amores viveram, e deuses sorriram, e o final foi feliz, e súbito e trágico, e completo. E assim nasceram sonhos...

Porque sua música, suas telas e tintas, suas esculturas, seus projetos e seus cálculos eram traduzidos por palavras. E ele nascera um escritor.

03 outubro, 2012

Poesia - Não mais

Momento de inspiração completamente sem motivo gerou isso. Espero que alguém goste.


Aí você vem,
e como quem não quer nada, se intromete onde não é bem vinda e brinca com perigos trancados,
e some.

Aí você ri,
e como quem não sabe fingir, se enlaça na ironia de dizer que busca o amor que tanto lhe foge,
mas não olha pra mim.

Aí você chora,
e como quem nunca sorriu, se faz sofrer na eterna dor pungente do amar quem não vale a pena,
sozinha.

Aí você morre,
e como quem nunca gritou, martela em meus sentidos o pulsar incessante de sua existência ilusória,
enquanto eu te esqueço.

Aí você volta,
e como quem nunca me interessou, se maquila de coisa e passa a figurar no meio comum e sem graça,
por eu não te querer mais.

Aí, enterrada na própria vaidade e enfeitada pelo desprezo que tenho de tudo aquilo que é banal,
como quem nunca foi nada além do simples e do igual, como boneca em linha de montagem,
você passa a me querer.

Tarde demais, amor. Não te amo mais.

10 setembro, 2012

Desafio dos 5 minutos de rima (em língua estrangeira!)


Nada mal, apesar de ter ficado bem porco...

Mother of all virtues, innocence,
Dead, rotten and buried  within men souls,
Shall be bent in twisted plots of arrogance,
And lies at the depths of fake roles.

05 setembro, 2012

Viagem


Em um ônibus em plena estrada,
Dois viajantes de mente ligeira,
Seguindo um caminho rumo ao nada,
Gozavam da alegria passageira,
De encontrar, nesta vida iluminada,
Ideias de sonhos oriundos,
Do cruzar de mentes abastadas,
Reunidas em uma Esquina dos Mundos.

30 julho, 2012

Mulheres Oníricas 2

Mais Mulheres Oníricas pra vocês.


Penitência

Ela é vermelha, de rosto largo e nariz chato. Com baixa estatura, silhueta rotunda e inegável ascendência indígena. Frustrada sexualmente, reprimida pela culpa esmagadora de sua religião. Faz do hábito seu traje e empunha o terço como ícone de um medo irracional. Quando jovem, sonhava em ser atriz. Nunca conheceu o amor.

Ourives
Ela é amarela, como bronze queimado e areia fina. Olhos adornados e cabelos escuros, tão compridos quanto pode cultiva-los. As mãos são ágeis e os dedos finos, treinados para tecer os fios de sua arte e os prazeres de seu esposo. Usa véu para esconder uma expressão desprovida de afeto, não sabe sorrir mas cansou de chorar. Vê a vida como uma fonte amarga da qual precisa beber todos os dias. Deixaria de bebe-la de bom grado mas seu mundo não permite.

Novelo
Ela é grisalha, enfeitada por algodão e tempo. Com covas e ranhuras empoeiradas lhe moldando a face. Mal enxerga com seus espelhos de opala, mas sorri com a sabedoria de quem espera a morte. Veste-se com pudor e exige o mesmo das netas, ainda que conheça bem cada anseio e desejo feminino. É gentil e diligente, mas trocaria tudo para poder abraçar quem já perdeu.

Luxúria
Ela é comum, sem etnia com que possa se identificar. Usa aparelho nos dentes e óculos de aros grossos, mas nas festas disfarça-se com lábios em beijo e lentes de contato. Veste-se de forma provocante mas odeia ser rotulada pelas linhas que interpreta. Ama sexo sem pudores e chora por qualquer razão. Não consegue ser racional. Vive em busca de um romance poético, mas entrega coração e corpo apenas àqueles que lhe desprezam.

27 junho, 2012

Experiências - Teatro III




Mais um trecho da peça maluca que estou escrevendo. Estou começando a gostar desses dois personagens.
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Carrasco: Queria que fosse possível nomear a sensação que sinto.




Rei: E no que se resume tal confusão de sentidos inomináveis? De certo são sublimes demais para serem expressados com meras palavras ou profundos demais para que a ousadia de vossa boca pronuncie-os sem que lhe contamine com pesar.



Carrasco: Nem um, nem outro, Rei Condenado. Eu diria que é densa e mordaz, vívida e asquerosa. Quase onipresente.



Rei: Não a tomaria por paixão?


Carrasco: Longe disso tanto quanto seu oposto.



Rei: Ódio, palpito eu... Há quem diga que o ódio é o amor insano. Talvez lhe caiba bem.



Carrasco: Não majestade. O ódio possui um direcionamento, uma origem, um propósito. O que sinto é mais contundente, e o sinto o tempo todo. Não é poético e nem divino. Mas sim mundano.



Rei: Por alguém especial?



Carrasco: Por quase todos. Quase não há distinção dentre aqueles que compartilham a negação de suas virtudes.



Rei: Ah, pois bem, isso tem um nome. Chama-se Misantropia e configura-se no desprezo pela própria natureza humana. E é mais comum do que pensas.



Carrasco: Deve de ser mesmo, pois a vejo em mim o tempo todo.



Rei: Como assim?



Carrasco: Oras, sou um carrasco. Escolhi matar pessoas...



Rei: Então mata aqueles que odeia...



Carrasco: Pelo contrário, Vossa Graça. Procuro matar apenas aqueles por quem nada sinto...



Rei: E os que odeia? À que destino reserva?



Carrasco: Reservo o mesmo destino que a vida reservou para mim: o definhar em desgosto de odiar a si próprio.




23 junho, 2012

Poesia - Anjo


Só um jogo de palavras que achei escrito em um caderno antigo. Postando aqui pra não jogar fora.



O anjo saltava de nuvem em nuvem, sem nunca tocar o chão.
O homem, maravilhado, falou ao anjo olhando para cima:
“Anjo zele por nós e venha nos fazer companhia!”
O anjo, com medo do homem, sorriu amarelo e disse que não.

20 junho, 2012

Diálogos IV

Mais uma das Crônicas de Coisas Comuns. Um dos diálogos mais marcantes que já presenciei. Confira os demais em I, IIIII.
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SEDUÇÃO

Ela sentou ao nosso lado. Suada, ofegante, insinuante. Estava quente como qualquer outro dia de Belém e o banco em que estávamos ficava sob a sombra de uma mangueira. Escolha óbvia.
Soltou os cadarços do antiquado par de patins, olhou pra nós e deu um breve sorriso desinteressado. Foi o bastante pra meu amigo.
  • Oi! Tudo bem? - começou o cortejo, meio sem jeito.
  • Tudo... - disse ela, sem morder a isca.
Ele a encarou e deu seu melhor sorriso. Aparelhos nos dentes, lentes grossas escondendo os olhos escuros. Tinha dezesseis anos, virgem, espinhento e inseguro. Nerd à moda antiga, na época em que ainda era errado e perigoso ser intitulado desse modo.
  • Gostei do piercing nos lábios – hesitou, visivelmente sem saber se acertara no comentário – seus pais não reclamam?
  • Sem problema. Meu pai odiou, mas eu não ligo – disse ela, meio que rindo. Parecia ter gostado do tópico. Típica adolescente rebelde sem causa. Do tipo que faria tatuagens anarquistas no futuro, vivendo em um apartamento com piscina e quadra de tênis.
Ele me olhou triunfante. Era seu meio silencioso de me dizer “Olha aí, bundão! Consegui!”. Respirou fundo, ajeitou os óculos e adotou uma postura artificialmente relaxada. Queria parecer largado, contraventor, um legítimo bad boy.


E então suicidou-se.
  • Ah, eu entendo! Você fez só pra chocar! Pelo simples prazer de transgredir as regras da sociedade!
Eu não vi os olhos dela revirarem pra cima, ou mesmo encararem os dele com uma expressão perplexa. Estava ocupado demais desviando o rosto e tapando os olhos com as duas mãos. Só a ouvi levantar e ir embora sem dizer nada.
  • Como é que é? – indaguei – “Pelo simples prazer de transgredir as regras da sociedade?” Mas que diabos? Você é retardado?
  • Ah... É difícil saber o que falar pras mulheres...

Bota difícil nisso!

19 junho, 2012

Nova logo da Esquina dos Mundos


Apresentamos a nova logo da Esquina dos Mundos.

18 junho, 2012

Ensaio sobre a juventude

Poucas coisas são mais divertidas (ou talvez irônicas) do que crianças que tentam se passar por adultos. Tanto as que imitam os comportamentos que não entendem, quanto as que fingem ser mais ingênuas do que realmente são.

Ainda assim, no fundo isso é um pouco triste... Vivemos em um mundo ácido demais. Falta transparência, inocência verdadeira. As novas gerações (e mesmo a minha) carece cada vez mais de coragem, sensibilidade, sensatez e discernimento.

Nos deparamos todos os dias com jovens e adultos infundidos pela paranóia decorrente de sua própria corrupção. Pela vaidade acrescida da ignorância. Pela futilidade cega presente nas opiniões vazias.

E no confrontar de tais verdades, mesmo as mais sóbrias e expoentes, suas reações são sempre as mesmas: amargas, reticentes, previsíveis.

Por fim pergunto-me, sem hipocrisia e pretensão, com o pesar de saber que também integro o imenso perfil social à qual critico: não seria essa a verdadeira geração perdida?


Frase da Semana

"A sutileza é uma linha tênue entre a inteligência velada e a covardia explícita."

17 junho, 2012

Pensamentos Urbanos



Eu olho para a cidade com olhos de quem vê algo estranho pela primeira vez. Não sei o que pensar. Há momentos em que vejo sujeira e solidão. Um enorme cadáver decorado por vaga-lumes. Também vejo vida, não bela e gentil, mas ébria. Desvairada.

A cidade é sempre uma puta. Um refúgio melancólico da espécie humana. Enormes brinquedos de metal e pedras, adornados com a ilusão do conforto. Ela tapa o medo do escuro, do frio, da terra onde éramos comida sobre duas pernas. Nossa tentativa pífia de destaque e santuário.

Mas não há opção que não ela. E não há nada além dela que não seja o intervalo entre outra de suas iguais.

14 junho, 2012

Soneto - Escócia

Na real, acho que, junto com os textos de teatro, esse é de longe o mais viajado e non-sense já postado no Astronauta. O formato é de soneto (primeira tentativa de fazer um seguindo a métrica correta) e o assunto abordado é a história da Pedra do Destino pelos ingleses, bem como a inalcançável independência escocesa.

Para quem não conhece a lenda por detrás da Pedra do Destino, vale muito a pena dar uma pesquisada e aprender mais sobre a história escocesa.


Para a terra do trono esvaziado,
fora um rei sem a coroa requerido,
ornar a escolha de dois dos preferidos
pela herança do direito desejado.

Mas ante falta de linhagem adequada,
e de reais interesses não bem quistos,
declarou-se a sucessão por prorrogada,
embarcou de volta ao lar tão logo visto.

Levou consigo, oculta, a régia pedra,
tal qual marco ancestral talhado à regra
sobre a qual os reis jaziam coroados.

Obteve, de modo vil, a obediência.
Privou o destino, pois, da independência.
Tornou a liberdade bem mais almejado.
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Sim, o ser vivo na foto sou eu e a foto foi mesmo tirada na Escócia. O castelo ao fundo é o Edinburgh Castle, onde reside (atualmente) a famigerada pedra.

12 junho, 2012

Experiências: Teatro II


Mais uma brincadeira com teatro, parte da mesma trama que apresentei na postagem anterior. Desta vez o diálogo entre o Rei Condenado e o Duque do Pecado.


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Duque: E onde estão seus irmãos?

Rei: À quais deles se refere?

Duque: Aos que compartilham a mesma linhagem que sua descendência. Aos não bastardos.

Rei: Não sei. De certo estão vagueando no ímpeto cego de ampliar a prole. Com eles pouco tenho em comum que não o sangue.

Duque: E a quais outros mais o termo abrange?

Rei: Os demais, do tipo que tive a chance de escolher. Imaculados pelos vícios que esta cabeça coroada herdara. Do tipo ao qual o termo se refere veladamente.

Duque: E donde vagam?

Rei: Certo distam, posso afirmar. Mas não sobre a terra. Distam no tempo. O último há mais tempo do que gostaria de lembrar. Impossível encontrar-lhes mesmo na poeira da carcaça de gusanos. Resquiem-se em livros, ou cânticos... Ainda que ambos não façam jus ao esquecimento que tenho deles.

Duque: Por que lhes fazem falta?

Rei: E não é claro?

Duque: Não...

Rei: Fato que não o é. E fato que não sei bem o porquê. Esperava que em parte alguém o soubesse. Como homens e mulheres fomos sempre tão diferentes, nunca houve um motivo semântico para tal afinidade. Mas como crianças seguíamos o mesmo ideal. E antes que perguntes-me, digo: o ideal do questionamento. Da mudança. Do não se acalentar com a rasura da razão. Éramos iguais em sede de revolução. Sonhávamos, devo dizer, com mundos perfeitos e povos instruídos; mas não sem amarrar os sonhos em ancoradouros de trabalho e parcimônia. Buscávamos o poder para implodir regimes e reconfigurar ideias.

Duque: E o que mudou? Refere-se a eles como outrem, num passado remoto, hoje distintos de si. A identificação com o passado faz de seu discurso vago... Apegado à uma paixão encarvoada.

Rei: Mudou que todos morreram. E a cada morte encarnada também desvaneceu uma ideia.

Duque: Cansou de buscar respostas?

Rei: Não. Cansei de fazer perguntas.

02 junho, 2012

Experiências: Teatro




Vou confessar uma heresia cultural: apesar da admiração perene que tenho pela mente e pelo renome do autor, nunca li Shakespeare. Conheço, de nome e de contexto, Hamlet, Rei Lear, Macbeth (a peça cujo nome não deve ser pronunciado), Sonho de Uma Noite de Verão, dentre outras de suas obras, mas nunca as li efetivamente.

Antes de ser julgado me defendo: cresci num meio estéril de teatro e sempre achei a dramaturgia muito mais expressionista do que onírica. Carregada de choque em detrimento do devaneio do espectador. Por isso, e por conta da repulsa velada que sempre senti pelo meio teatral ávido por revoluções sem fins práticos (e repulsivo, sob minha antiga ótica preconceituosa), fiz do meu universo artístico prioritário a literatura. A palavra escrita sim, em detrimento da fala, sempre foi aquela que deteve a verdadeira razão de ser da arte de contar histórias.

Mas meu desconhecimento e aversão ao teatro nunca justificou a falta de cultura dos clássicos. Ora, se eu podia ler uma peça, sem precisar assisti-la, por que não o fiz? Por ignorância, confesso.

Meu primeiro contato verdadeiro com o Shakespeare escrito foi ontem. Sob a forma de um pequeno volume puído de Hamlet, propriedade da Universidade Estadual de Londrina. Com o uso de técnicas de leitura dinâmica, li 4 páginas rapidamente e entendi brevemente sua estrutura. E foi isso o que mais me surpreendeu.

A segunda parte da heresia confessa neste post é justamente o fato de que, como pretenso escritor, nunca tinha me deparado com a construção do texto para teatro antes. E como é simples! Não que seja fácil, mas é simples... Introdução à cena, descrição dos personagens e diálogos. Nada de descrições ou narrações, apenas embate verbal. Mais objetivo impossível.

Logicamente, por mais impetuoso que seja tomar uma decisão como essa, resolvi arriscar um teste para escrever uma peça, ainda que curta. Escrevi duas cenas que vão constituir o que, futuramente, vai fechar a história sobre a condenação e o julgamento de um nobre decadente.

Aqui está uma destas cenas, o diálogo entre o Rei Condenado e o Carrasco. Espero que gostem. =]

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Carrasco: Apruma-te e contempla altivo o último trono com teu nome. Aquele que ornará seu crânio reluzente como sinete da queda de seu regime.

Rei: Não será, porém, o primeiro e nem o último crânio a dignar-se de tal honra.

Carrasco: Ainda assim fará dele o estandarte temporal da inviolabilidade da morte. Não te orgulhas de ser um ícone?

Rei: Toma-me por tolo? Vangloriar-se-ia tu, na pós-vida, como resto descarnado, de ser o ícone da própria execução?

Carrasco: E não o somos todos?

Rei: O conjunto o é, não o indivíduo em si. Vede a forca: a corda de cânhamo, oleado e torcido; o cadafalso de madeira resinada; as dobradiças rangentes de ferro... O retrato tétrico é constituído pelo propósito de sua função, não pela prática do exercício. Virgem ou de longo uso, o instrumento mostra a que veio. Não é o pescoço estrangulado do cadáver que amedronta, mas o laço onipotente que pende da corda vazia.

Carrasco: Queres incutir na forca o peso moral da condenação.

Rei: Não! Quero lembrar-te de que o laço, quando desocupado, é capaz ajustar-se tanto ao pescoço de reis quanto ao de miseráveis.

Carrasco: Tomas teu castigo como pouco nobre?

Rei: Talvez. Mas há de se convir que não há nada mais democrático do que a morte.

23 maio, 2012

Quem é você?

Brincaram comigo dizendo gentilmente que eu "Não existia!", após uma brincadeira que eu fiz.


A inspiração veio e a resposta foi essa:




"No fim das contas, sou um misto de lenda urbana com oniração. Um personagem cuja verossimilhança depende da paixão alheia por histórias e da permissão pessoal pelo sonhar.


Sou o despertar confortável do abraço protetor e a ilusão efêmera da risada alegre. O sol em zênite clamando pelo suor e o frescor gélido da solidão saudosa.



Sou a mente vivaz e surpreendente, sou o coração tímido e arisco, sou o sexo intenso de avidez eterna. Sou sangue, ferroso e vivo, inflamado e visceral. Ossos de moralidade, certezas arenosas. Respiração virtuosa, anseio por pecados.



Sou vivo. Homem. Futuro pai, eterno filho. Mergulhador das ambições infinitas, caminhante de horizontes enevoados. Dentre meus muitos títulos, já fui tecelão de sonhos, colecionador de sorrisos, andarilho de lugar-nenhum. Sou o astronauta das marés.



No fim das contas, não passo de uma ilusão. Mortal, temporal, limitada. Plena.



Assim como a humanidade."


10 maio, 2012

Mulheres Oníricas

Anteontem encontrei uma anotação em um documento perdido e vi duas linhas escritas por mim há tempos e que me chamaram a atenção. As duas continham tópicos em forma de descrições breves, algo que faço com muita frequencia pra não perder ideias que me parecem boas (muitas das quais nunca chego a executar).

As linhas do papel diziam apenas: "Uma tem sorriso de marfim; outra, olhos de nanquim."

Eu sabia do que se tratava mesmo sendo uma anotação velha: duas personagens que imaginei para uma história de fantasia melancólica, que sempre me vieram à cabeça como uma pintura aquarelada - um tom que me agrada muito e que tentei executar ao escrever Indecifrável Mundo Novo.

O ponto é que o tempo passou e eu não lembrava dessa ideia até ter encontrado o papel. Para não perder de vez a chance de escrever algo sobre elas, e sobre as outras que fluíram em seguida, fiz um descritivo breve destas belas mulheres que invadiram minha mente sem que eu jamais as conhecesse pessoalmente. Aqui está uma lista das cinco primeiras, existem outras cinco que postarei futuramente.

Repeti e aliterei algumas passagens propositalmente porque ficou divertido (e porque eu estava morrendo de sono quando escrevi). Além disso, preferi deixar títulos ao invés de nomes, assim não preciso dar uma nacionalidade e temporalidade para cada uma. Achei que os adjetivos combinaram de forma divertida.

A propósito, se alguém que saiba desenhar ou pintar, ou mesmo fazer arte digital, quiser ilustrar cada uma delas, fique a vontade. =]


Solar
Ela é loira, de cabelos curtos e olhos azuis claros. Lábios rosa e um sorriso no rosto. Usa um lenço no pescoço e as madeixas soltas. Veste uma blusa larga azul clara e calça jeans. Tem seios fartos e pescoço desenhado. Fala o que pensa e demonstra autoconfiança, mas tem medo de ficar sozinha.

Raposa
Ela é branca, de olhos puxados e completamente negros, como poços de nanquim. Seus cabelos lisos e compridos são tão escuros quanto o olhar e vivem presos com uma tiara de marfim em forma de meia-lua. Veste uma túnica perolada decorada com flores roxas e azuis, justa ao corpo por uma faixa adornada. Fala pouco e quase nunca sorri. Ama incondicionalmente, mas prefere guardar segredo.

Vermelha
Ela é ruiva, de cabeça acobreada e bochechas de ferrugem. Com olhos verdes escuros, tímidos. O sorriso é largo e o riso fácil. Ainda criança. Veste um vestido curto com capuz, alternados em vermelho e branco. Usa botas de couro claro e um pesado amuleto de ferro-frio. Diverte-se com histórias e com coisas novas.

Ciranda
Ela é negra, de lábios grossos e olhos pardos. Tem o cabelo comprido, preso em coque. Mais prática do que vaidosa. Possui uma bela voz, mas prefere ouvir a falar. Tem um corpo perfeito e não faz questão de esconde-lo. Veste uma camiseta verde, colada no corpo, e uma saia branca, embalada pelo vento. Usa brincos grandes, salto alto e pulseiras que tilintam. Sempre corre atrás do que quer, mas as vezes teme buscar as coisas erradas.

Jardineira
Ela é morena, de rosto corado e olhos claros. Cabelos castanhos, pouco abaixo dos ombros, sempre soltos. Os lábios finos e o sorriso discreto, feliz sem mostrar os dentes. Não gosta de se expor. Veste um camisa preta e um macacão jeans, bandana na cabeça. É pianista, mas toca apenas para a mãe. Finge estar sempre desinteressada, mas no fundo sofre por não ser correspondida.

01 maio, 2012

Quadro de Tendências do meu Grupo de RPG

Para quem não conhece, um "quadro de tendências" (ou alignment chart, em inglês) é uma brincadeira comum no meio rpgístico, utilizada para ilustrar a natureza e o comportamento de um determinado personagem de livro, jogo ou filme.

O quadro de tendências abaixo segue os padrões clássicos da brincadeira (estipulado pelo jogo Dungeons & Dragons) e é baseado em algumas frases memoráveis dos personagens mais marcantes interpretados pelos integrantes do meu grupo de RPG. Sei que isso é uma piada interna, mas como ficou divertido não pude deixar de postar no Astronauta.


Quero deixar também um grande abraço a todos os que aparecem na brincadeira (em ordem decrescente e no sentido horário): Galliano Cei, Ingo Muller, Pedro Paulo, Charles Alves, Thiago Funfas (meu irmão), Renan Mesquita, Allan Fernandez, Morane Távora e Morenze Távora.

30 abril, 2012

Liber Anathema - O Livro das Maldições IV

Mais uma postagem do perturbador Livro das Maldições. Esse texto me remete muito à guerra, em especial as atuais, onde a impessoalidade dos conflitos foi levada ao extremo. Mata-se e morre-se por motivos desconhecidos, muitas vezes camuflados sob pretextos fúteis e vazios.

Quem conhece algum americano pessoalmente, do tipo que glorifica a guerra e seus soldados, vai entender perfeitamente do que estou falando.

Para ver as outras postagens do livro: I, II e III.


"Homem há de comer a carne do Homem.
Lavar a face com o sangue do irmão.
Farão do tirano, ídolo; do carrasco, herói.
Ao nascer de estrelas no chão,
ver-se-ão queimar desafetos não-nomeados.
Sem entender o porquê, aclamarão a morte."

- Liber Anathema, Códice de Damasco, Séc XI

18 abril, 2012

Conto - Inverno


Um trecho pequeno do meu livro Delírios ao Amanhecer para os leitores do Astronauta. =]





Inverno levantou a velha lamparina em frente ao rosto, mas a luz não penetrou mais do que poucos metros além da muralha sombria de árvores e arbustos à sua volta. Quanto mais andava em direção ao lugar onde deveria haver uma clareira, mais a vegetação ia ficando densa, fechada e misteriosamente silenciosa.

O guerreiro apurou os sentidos por um instante, buscando captar alguma espécie de som ou brilho longínquo, que pudesse denunciar a presença das pessoas que pensara ter avistado há alguns momentos, quando saiu de sua trilha para seguir os desconhecidos. Mas a luz do suposto acampamento parecia ficar cada vez mais distante conforme caminhava e, subitamente, todos os indícios das pessoas que avistara desapareceram.

Na escuridão opressiva, sentiu o silêncio pesar sobre a floresta como se a própria vida resolvesse esconder seus sinais. Nenhum inseto, nenhuma ave, nenhum predador. Nem mesmo o vento, que outrora soprava com dificuldade por entre as copas altas, balançando suavemente as folhas encobertas pela neve, mostrava-se presente. Ali, de certo modo, não era o seu lugar.

É dito que algumas florestas antigas tem vida própria. Que após existirem durante dezenas de milhares de anos, antes mesmo das primeiras civilizações terem surgido, algumas regiões selvagens desenvolvem um tipo peculiar de consciência. Territorial, intolerante, malévola. Lugares tão profundos no coração das matas que possuem habitantes próprios, singulares. Tão velhos, enigmáticos e perigosos como seu próprio lar.

Enquanto se concentrava, Inverno se deu conta de que não fazia a menor ideia de quanto tempo já havia gasto caminhando fora da trilha. As lembranças mais recentes pareciam distantes e impessoais, apagadas e tênues como um sonho de infância. Não lembrava mais do rosto e dos nomes dos companheiros que deixara para trás, e tampouco do motivo pelo qual se embrenhara na escuridão verde. Estava perdido, de fato, tanto no espaço quanto no tempo, e sabia que as perspectivas só tendiam a piorar.

Então, como se sempre tivessem estado ali, à sua volta, cerca de uma dúzia de pares de olhos surgiram na escuridão. Um brilho amarelado reluzindo nos limites da luz da lamparina. Olhos que não eram humanos e nem pertenciam ao seu mundo. Todos em silêncio, observando-o, como a uma presa.

Neste momento, o guerreiro que fora batizado em virtude da frieza de seus sentimentos, sentiu uma sensação muito mais fria e intensa do que jamais sentira em toda a sua vida de batalhas e perdas. Uma forma terrível, absoluta, antiga e primitiva de medo.

O nome dos golpes

Um brasileiro chamado Guilherme Sarda resolveu legendar os golpes especiais dos personagens de Ultimate Marvel vs Capcom 3 e de Super Street Fighter IV, da forma literal como ouvimos os personagens falar. O resultado é de chorar de rir. Confiram.



Vi lá no Fail Wars

Indecifrável Mundo Novo - Avaliação Final

Um dos projetos da Esquina dos Mundos (vulgo "meu"), o jogo narrativo Indecifrável Mundo Novo, ficou em 3º colocado no concurso "Faça Você Mesmo" de desenvolvimento de jogos da Editora Secular Games.

O jogo ficou atrás dos incríveis Mundo Perfeito, de John Bogéa, e de O Jogo, de Julio Matos. Seguido pelos também dignos de nota Ecos e Cortex. Ambos os jogos receberam propostas informais de publicações por parte da Editora Retropunk e da Secular Games. Agora só resta esperar e ver no que vai dar.

Para conferir a avaliação do jogo (bem como uma resenha escrita pelo juiz convidado, Eduardo Caetano) é só clicar aqui.

E quem quiser ler meu material, é só baixar a versão gratuita e simplificada do Indecifrável Mundo Novo.

29 março, 2012

Violentina - Um jogo marginal de contar histórias


Que eu sou fã-mestre-jogador-autor e defensor de RPGs e jogos em geral ninguém duvida. Mas a grande pira que estou tendo ultimamente é a de comprar e catalogar meus livros e jogos. E nada melhor do que começar com os títulos nacionais (e fodas!) de autores que são meus amigos, certo?

Além do brilhante Terra Devastada, do meu amigo John Bogé; e do futuro lançamento Go, Heroes!, do André Mousinho (que escreveu O Reino de Bundhamidão em parceria comigo); a minha última aquisição é o Violentina, um jogo de violência e narrativa compartilhada escrito pelo Eduardo Caetano.



O jogo é baseado nas histórias e filmes pulp, no bom e velho "estilo Tarantino" - baseado nos 4 V's utilizados pelo autor: violência, volúpia, vícios e vinténs. O sistema demonstra criatividade já na proposta da mecânica. Ao invés dos famigerados dados, Violentina utiliza dois maços de baralho completos e um conjunto de fichas para o progresso narrativo da mesa (Não, a maleta de poker não vem inclusa no jogo! Essa eu comprei mesmo...). Como funciona? Bom, vamos deixar pra fazer uma resenha um pouco mais aprofundada assim que eu tiver jogado com o meu grupo, ok?


Outra coisa muito bacana e digna de nota é a força que os autores, editoras e consumidores estão dando para a nova fase do RPG no país (e não só pro RPG). As novas editoras estão dando apoio total ao produto desenvolvido pelos próprios clientes, e há uma transparência nunca antes vista no processo produtivo dos jogos e livros. São os jogadores criando em prol dos jogadores. Uma tendência seguida em inúmeros outros ramos de produtos, mas que ainda não tinha despontado na área do entretenimento nerd brasileiro.

É o fenômeno que costumo chamar de Mercado 2.0, e que veio pra ficar com força total.

Agora só me resta ter a honra de um dia assinar meu autógrafo para outra pessoa, em um certo Reino de Bundhamidão...

27 março, 2012

Poesia

Fazer poesia é bem simples!
- disse o poeta literato.
É só começar com uma boa ideia,
e pôr as palavras lado a lado.

- M.B.B.F., 04/03/2012

21 março, 2012

Espera

Um dia, não tão distante mas tampouco não tão próximo, eu vou encontrar alguém capaz de criar sonhos e materializa-los de uma forma como eu não consigo. Complementando os meus dons.

E por mais oníricas que sejam as idéias que surgirem, elas serão passíveis de se tornarem reais. Pois não vão haver barreiras ou limites para que ela se expresse como deve ser expressada.

Se esta pessoa vai aparecer sob a forma de um amigo, de minha futura esposa ou de um filho, resta ao mundo me surpreender.

Uma boa noite a todos os sonhadores e a todos os criadores de sonhos. =]

20 março, 2012

Velharias - O Pastor de Tartarugas

Fuçando nos arquivos abissais do meu hd, encontrei uma hq que fiz em parceria com o André Luis "Ciderfao", que conta a história do misterioso Pastor de Tartarugas.

A HQ é uma fábula sobre a verdadeira natureza do ser humano e, apesar de meio piegas, vale a pena pela mensagem e pela diagramação da página 3 (com quadros em forma de casco).

Confiram aqui.

06 março, 2012

Contágio - Cardgame de Zumbis



Pessoal, o estúdio de desenvolvimento de jogos A Esquina dos Mundos vai estar realizando um playteste público do jogo Contágio, em Londrina - PR, nas duas últimas semanas de março (sem data definida ainda). Aqueles que tiverem interesse em participar é só entrar em contato pelo email mfunfas@gmail.com (isso, o meu pessoal) ou deixar uma mensagem comentando na página do facebook: http://www.facebook.com/pages/A-Esquina-dos-Mundos/129057050525418

Aguardo a participação de vocês. Abraço.

Ponto de Vista - Concurso Faça Você Mesmo de Criação de Jogos 2012 da Secular Games

Sim, o título do post é imenso, mas não sem motivo. O #FVM2012, como ficou conhecido no Twitter, é atualmente o maior concurso nacional de desenvolvimento de jogos e por isso merece destaque. Ele não premia jogos de tabuleiros e/ou cardgames (ainda...) mas tem um impacto realmente interessante no meio rpgístico brasileiro.

Pra quem nunca ouviu falar ele é um concurso elaborado pela Secular Games, uma editora brasileira de RPGs, que surgiu há pouco tempo mas que já tem ótimos títulos no mercado - como o incrível Violentina, do Eduardo Caetano, o primeiro RPG nacional a ser publicado com crowdfunding.

Este ano foi a segunda edição do concurso, sendo que ano passado houveram dois projetos vencedores: o Onírica, de Vitor Pissaia; e o Abismo Infinito, de John Bogéa - autor do já consagrado Terra Devastada. Enquanto ano passado houveram 28 jogos, este ano foram 27 inscritos, o que já é um feito e tanto, levando em conta uma limitação imposta pelo concurso.

Para tornar o concurso mais interessante, o pessoal da editora impôs temas a serem utilizados. No total eram 8, mas os autores tinham que usar um mínimo de 4 temas. Eram eles: tribos, navegação, jornada, esportes, ciência, labirinto, luto e romance. Nada mal, não? Ainda mais levando em conta o fato de serem completamente desconexos uns dos outros.

E você, Funfas? Quais temas escolheu? Adivinhem! =D

Todos, claro! Eu sou meio louco, lembram?

Pra quem quiser conferir o meu material, ele se chama Indecifrável Mundo Novo, em homenagem ao livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley; e é só clicar no nome ou acessar o site da editora.

Agora é só torcer pra ficar entre os 3 primeiros e ver no que dá. A propósito, estou interessado em realizar playtestes do material produzido. Quem tiver interesse em jogar e me mandar material para ajustes nas regras e melhorias no cenário, ficarei extremamente grato. =]

Ah, e antes que eu me esqueça! Tem um projeto meu concorrendo no concurso de jogos (sim, outro!) da Editora RedBox. O nome do livro é Pactos de Poeira. Quem quiser ver o material realizado, é só entrar no site e votar 3 estrelas nele, beleza?

Um abraço!

23 fevereiro, 2012

Conto - Fé e Sangue


Este conto foi escrito para o livro Terra Devastada, do meu grande amigo John Bogéa, e que foi publicado pela Editora Retropunk. Diferentemente do conto que abre o livro, que também é de minha autoria, este não integrou o livro por ter sido considerado "pesado demais", segundo a editora. E de fato o é.

Estou postando aqui porque achei ele ao revirar minha pasta de contos, e achei que já era a hora de publicar em alguma mídia, mesmo que seja o Astronauta.

Cabe deixar bem claro que todas as pessoas descritas abaixo são fictícias e não foram inspiradas em ninguém vivo ou morto. Eu não conheço, nunca conheci e nem sequer ouvi falar de um pastor evangélico chamado Odair. A única referência clara, no entanto, é à igreja citada sutilmente na última linha do texto.

Este é um conto de horror, com uma linguagem forte e contundente. Ele apresenta opiniões e descrições que podem chocar aqueles que se abalam facilmente ou que tem grande devoção religiosa, portanto fica registrado aqui o aviso. Se você não tiver estômago forte ou for carola, não leia!

Obs: A arte abaixo é do próprio John Bogéa.
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Quando o pastor Odair ordenou que trancassem as três enormes portas duplas que davam acesso frontal à igreja, não pode deixar de sorrir. O templo havia alcançado a capacidade máxima de fiéis, e a presença das câmeras que transmitiriam a programação ao vivo, para o país inteiro, apenas confirmavam o sucesso de seu carisma. Aquele era seu show particular, seu trunfo de fé. Mesmo sabendo que a soberba representava o maior dos pecados cristãos, Odair regojizava-se por dentro ao saber que muitos dos presentes estavam ali por causa dele, e não por crença na religião.

– Vieram por mim! Não por Deus – repetia em sua mente, sentindo calafrios.

Mas naquela noite a arrogância do pastor tinha uma justificativa. Mesmo sabendo que o frequente teatro armado para enganar milhares de fiéis acerca de seus supostos poderes divinos ainda funcionava de modo eficiente, era preciso uma atração inédita e impactante para ascender ainda mais em seu posto. Odair sabia exatamente o que fazer.

Era comum que muitos fiéis, ou mesmo outros indivíduos menos esclarecidos de outras religiões, buscassem o templo em busca de apoio psicológico e financeiro. Creditavam ao demônio todas as mazelas que a falta de sorte e de instrução lhe causavam na vida. Trocavam a racionalidade lógica da ação e reação, fosse ela financeira ou social, pela explicação supersticiosa de que havia alguém responsável por toda a sua desgraça. Precisavam de um bode expiatório, alguém que fumasse, bebesse e traísse por eles. Por este motivo procuravam o templo. Fariam de tudo por alguma forma de conforto. Mesmo que precisassem pagar a Deus quantias exorbitantes do pouco dinheiro que conseguiam para sustentar suas famílias.

Odair sabia disso. Sabia exatamente como tudo funcionava. Sua faculdade em teologia fora apenas um pretexto para um mestrado em psicologia e uma pós-graduação em marketing. Via o templo como uma empresa e seus fiéis como clientes. Venderia salvação e fé à preços módicos. Convenientemente havia escolhido um bom produto: sua propaganda era literalmente impecável; seu público, deveras passional; e a concorrência, produto do “inimigo”. Não comprariam algo daquele destruíra suas vidas, não é mesmo?

O templo era um monopólio empresarial livre de impostos, censura e oscilações de mercado. E Odair era um ótimo vendedor. Suas melhores vendas, ironicamente, se davam quando seus clientes estavam nas piores situações. Às vezes o peso da própria responsabilidade, na destruição de suas próprias vidas, era grande demais para suportarem. Nestes casos, os simples conselhos do demônio eram insuficientes... Precisavam de algo mais. Se eximirem de responsabilidades por completo, isentarem-se absolutamente da culpa... Por isso existiam as possessões.

E nessa linha de produtos o pastor era imbatível.

Geralmente os ritos se limitavam à catarses comunitárias, donde milhares de indivíduos se entregavam ao frenesi promovido por ritmos musicais hipnóticos, técnicas avançadas de manipulação de massas e ao fervor da crença na libertação de suas angústias. O ápice era o exorcismo de alguém com visível alteração emocional e desequilíbrio psicológico. Um teatro macabro que faria Freud engasgar-se, abismado.

No entanto, no fundo aquilo tudo eram apenas pessoas. Desesperadas e irracionais, mas ainda assim pessoas. Um único deslize na condução de seu show e cerca de vinte seguranças enormes e bem armados poderiam resolver o problema.

Mas daquela vez era diferente. A suposta possuída, uma jovem com cerca de 18 anos, aparentava-se mais com os relatos medievais de possessão do que com alguém que engravidou e não sabe como contar aos pais. Depois de dois dias agindo de forma irracional, sem falar uma palavra inteligível, vomitando sangue e apresentando chagas por todo o corpo, a família convenceu-se de que era necessário pedir auxílio religioso. A medicina deu lugar à fé.

Após ter mordido seis familiares e pelo menos outros doze integrantes do templo, a jovem foi amarrada à mando de Odair, e então levada para o palco por detrás das cortinas. Tudo estava pronto para o mais macabro de seus shows. Um exorcismo verdadeiro.

Suando frio, o pastor contrariou os técnicos de segurança que recomendaram que as portas não fossem trancadas durante a apresentação. Não queria que curiosos ou membros de outras religiões dessem às caras no templo após assistirem a transmissão ao vivo na TV. Para ele, tudo estaria sob controle.
Com uma feição mais séria e solene do que o normal, adornada por uma música de fundo sombria tocada nos alto-falantes da igreja, o pastor caminhou até o altar-palco e explicou aos fiéis sobre a situação daquela noite. Um calafrio de orgulho e assombro repercutiu em seu corpo ao notar a tensão estampada nas faces dos presentes.

– Eles amam o medo! Precisam ver ele de perto para sentirem-se bem! Sentem um fascínio mórbido pelo mal... – pensou Odair, enquanto finalizava sua explicação, deixando pesar o silêncio sobre o público.

Em um gesto rápido e brusco abriu as cortinas, levantando a voz ao anunciar a atração. Mas ao invés de encontrar uma jovem amarrada no chão, o pastor deparou-se apenas com cordas soltas, nacos de carne humana e um rastro de sangue.

Quase instantaneamente, um senhor gordo, sentado em um dos cantos do templo emitiu um grito de pavor. Com a boca ensanguentada e os olhos vazios, a jovem endemoniada pronunciou-se sobre ele. Dentes à mostra. Por detrás dela, pelo menos outros quatro integrantes da igreja, que haviam sido previamente mordidos, avançaram sobre o público apresentando o mesmo comportamento.

Os relatos do que se seguiu foram registrados em escassos dois minutos e meio de vídeo, gravados por expectadores, antes da emissora tirar o programa do ar. Mas os vídeos jamais chegaram à internet.

Quando o grupo da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde chegou ao local, as portas já haviam sido abertas pelo lado de fora e não haviam mais vestígios de sobreviventes. O local, bem como as oito quadras circundantes, foram classificadas como Zona de Quarentena...

Em três dias não havia mais sinais de vida no bairro de Santo Amaro.