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29 outubro, 2011

Diálogos II

Continuação da série Diálogos, da coletânea Crônicas de Coisas Comuns.
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Subversivo


- Sabe o que eu mais gosto nos videogames? - meu amigo perguntou.
- O que? - continuei.
- As histórias... Cara, tem história de jogo que é mil vezes melhor do que de filmes ou livros. Verdadeiras obras de arte! E as músicas... Incríveis!
- É verdade... - concordei meio sem saber se realmente concordava.
- E você, do que mais gosta?
- Ah, sei lá, de tudo eu acho... - fiquei atônito com a temática incomum, não era algo no qual eu estava pensando ativamente naquele momento.
- Tudo? Nada em especial?
Pensei a respeito. O assunto surgira de forma espontânea, porém estranha. Mas a discussão podia tomar um rumo interessante. Puxei da memória quais características mais me agradavam e me dei conta de que eu já tinha uma opinião formada a respeito.
- Conceitos talvez... - eu disse - Idéias que fogem do óbvio...
- Como assim?
- Coisas que ninguém pensaria em outra situação. Tipo, jogo de tiro é tiro, corrida é corrida, luta é luta...
- E? - ele pareceu se interessar.
- Tetris, por exemplo. Quem pensaria em criar algo como Tetris? A propósito, o que é Tetris?
- É um puzzle! - disse conclusivo - Qualquer idiota cria um jogo assim. Nem tem gráficos tridimensionais...
- Não é disso que eu tô falando. Eu falo do conceito abstrato. Da idéia do contexto.
- Blocos caindo? O que tem de mais nisso?
- Não são exatamente blocos caindo. Isso é uma representação de algo muito maior. É uma metáfora, nunca percebeu?
- Do que? - perguntou erguendo a sobrancelha.
- De tantas coisas. O fim de uma era, o cerco à Stalingrado, a queda do capitalismo, a construção de uma nova ordem política. Os tijolos são as riquezas infindáveis da mãe Rússia, sendo alinhados em igualdade pelo proletariado para fundar os alicerces do socialismo. A música tema é o Korobeiniki, o hino folclórico dos bolcheviques. É tudo uma alusão... Você nunca notou isso?
- Cara... - disse me olhando com um certo espanto no rosto.
- O que?
- Como você é nerd!

"Sim, eu sou."



Crônica: A Esquina dos Mundos - Parte 1


Esta crônica, juntamente com os textos da série Diálogos, integram um projeto, que espero publicar em breve, chamado Crônicas de Coisas Comuns.

A Esquina dos Mundos faz parte do capítulo com relatos dos sonhos mais marcantes que já tive, juntamente com os textos "Ela", "Primitivo", "Ruínas", "Redenção" e "Infinito". A Esquina é o maior texto do livro, por isso estou postando aqui apenas a primeira parte dele - a segunda parte postarei na semana que vem.


A primeira vez em que eu visitei aquele lugar foi em um sonho. Eu adormeci após uma noite de festa, embriagado, ainda embalado por músicas que jamais havia ouvido antes. Talvez, por conta do turbilhão ébrio, eu não tenha me dado conta de como cheguei ao lugar, ou qual era exatamente o contexto daquele sonho. Mas como dizem, sonhos são sonhos.

A primeira coisa que me lembro era de estar dentro de uma carruagem, do tipo visto em filmes que remontam a Europa de dois ou três séculos atrás. Era uma carruagem com o interior todo em madeira, com pequenas janelas adornadas por cortinas de veludo escuro. Lembro de estar sozinho no veículo, e que este era conduzido por um cocheiro silencioso, que em momento algum dirigiu a palavra para mim. O único barulho marcante era o trotar do cavalo que a puxava, embora possam ter sido dois ou até mais e eu não saiba dizer.

De súbito a carruagem parava em frente à uma calçada cinzenta, projetada em um ângulo obtuso arredondado, no cruzamento de duas ruas enevoadas pela neblina da madrugada. Eu lembro de saltar do veículo e sequer olhar para trás, apenas ouvindo o cocheiro partir rapidamente, estalando as rédeas no(s) cavalo(s) fantasma(s) atreladas a ela.

Em seguida, me deparei com o local que, ao menos em meu subconsciente, busquei naquela noite. Servindo como ponto de encontro entre as duas ruas entrelaçadas, uma pavimentada com asfalto novo, ainda exalando o forte cheiro de piche e tinta, outra feita de enegrecidos blocos de pedra, geometricamente encaixados, havia um meio fio de cerca de vinte centímetros, adornado por uma boca-de-lobo repleta de limo, composta por ferro há muito oxidado.

Sobre a calçada, a poucos passos do fim da rua, elevando-se como um guardião da esquina havia um belo poste vitoriano, escurecido por um sem número de anos. Ele era alto, podendo facilmente atingir três metros de altura ou mais, e sua iluminação, que presumi ser a gás, era amarelada e fraca. Quase como se este quisesse manter algum tipo de discrição, mesmo sendo o único poste daquele modelo em quadras de distância.

Por breves instantes, ao mirar a projeção de sua luz na rua, pensei ter visto pequeninas figuras humanóides, fulgurando e dançando por entre as chamas, tal qual as mariposas que se entregam ao fogo em um clímax suicida. Mas para o que outros viriam ser fadas, minha razão logo repreendeu qualquer forma de devaneio e me deu certeza quanto ao comportamento dos insetos atraídos pela luz incandescente.

E ao retornar, e terminar, minha análise sem propósito do obelisco erigido no meio da calçada, notei duas pequenas indicações em forma de placas, tais quais os pequenos indicativos das ruas, usualmente presente em marcos de esquinas. Ambas eram de bronze, já esverdeadas pela umidade do local e pelo tempo, e ao invés de estamparem os nomes das ruas que se cruzavam, apenas diziam: “A Esquina dos Mundos”.

25 outubro, 2011

Nonsense no Último



Ok, agora um post absolutamente nonsense. Se você curte esse tipo de humor (deveras difícil/babaca/intrigante) dê uma checada no site Prodigialis.

A propósito, prodigialis, pra quem não sabe, é o nome do meme mais ridículo e nonsense da internet. E é coisa de brasileiro, claro!

Logomúsica

Já pensou o que aconteceria se todas as músicas tivessem uma imagem que remetesse imediatamente ao seu significado?

Ok... Nem todas as músicas do Logomúsica fazem isso ao pé da letra. Mas a idéia é genial e o resultado é bem divertido. Vale a conferida.




21 outubro, 2011

Guitarra Humana

Apenas calem a boca, assistam o vídeo e aproveitem o momento "meu Deus do céu, isso existe?".

Pra quem não lembra, ele é um dos atores que fez um dos mais célebres personagens de Loucademia de Polícia.

11 outubro, 2011

Trollando o Mundo

Seleção de trollagens clássicas de personagens de filmes. Notem que o tema do Trololo Guy é quase obrigatório.

Darth Vader (Star Wars)


Balrog (LotR)


Saruman (LotR)

02 outubro, 2011

O Poeta

Poesia velha, também tirada do arquivo de textos pré-históricos que achei aqui em casa. Mesmo datando de 2004 e sendo pequena gosto bastante dela.


O poeta pediu a Deus um tema, e recebeu o amor.
Pediu um instrumento, e recebeu as palavras.
Pediu uma inspiração, e recebeu alguém a quem amar.
Pediu a perfeição, e Deus lhe tirou tudo.
Deixando a saudade em seu lugar.

Serafim

Conto antigo, escrito em 2002, quando eu tinha apenas 15 anos. Apesar de não estar exatamente bem escrito, impressiona um pouco pela linguagem (considerando que eu era só um moleque quando escrevi) e pelo desfecho sinistro.



Serafim tinha 8 anos quando apareceu pela primeira vez nos portões de casa, pedindo alguns trocados para comprar remédios para sua mãe. Lembro-me que eram remédios caros e eu não estava disposto a desembolsar tanto com uma pessoa que nem conhecia; mas o garoto insistiu tanto que acabei cedendo.
    • De quanto você precisa? Uns trinta reais? Cinquenta? - perguntei com pressa, pois estava atrasado para o trabalho.
    • Não tio, só dez mesmo! O resto eu me viro pra arrumar! - respondeu ele num sorriso branco escurecido. Fitando-me com seus incômodos olhos rubros de sangue, e saindo logo em seguida.
E assim as visitas se tornaram constantes, intensificando sua frequência com o passar do tempo. Nos primeiros dois anos, Serafim se limitava a bater na frente de casa uma ou duas vezes por semana, no máximo. Sempre pedindo educadamente, na medida que sua condição social permitia, coisas simples que qualquer outro garoto de rua pediria: cobertores aos trapos, roupas usadas, pratos de comida, brinquedos velhos e dinheiro – este último com muita mais frequência do que os demais. Apesar de minha desconfiança, Serafim sempre dizia usar o dinheiro para comprar remédios para a mãe que, segundo ele, sofria de “tiabetes”. Mesmo não acreditando, dificilmente eu me aborrecia com a história e sempre o ajudava quando tinha condições.

E assim as coisas prosseguiram nos três anos seguintes. Eu continuei a trabalhar na movelaria e receber minha aposentadoria de servidor público; a cidade continuou pacata e pouco movimentada; e o garoto continuou o mesmo de sempre: magro, sujo e educado. Com o passar de todo este tempo a única coisa que pareceu mudar nele foram os grandes olhos vermelhos, ainda mais destacados em sua face encaveirada. Estes pareciam mudar de tonalidade conforme o garoto mudava sua expressão, variando entre um vermelho apagado a tons escarlates vivos e suaves carmesins.

Outra coisa que, a meu ver, havia mudado foi sua confiança, que aumentava excessivamente. Pois quando não estava brincando na rua com as outras crianças, estava em frente ao portão de casa, pedindo algo. Quase de forma sagrada, em todos os dias úteis lá estava Serafim pedindo dinheiro para os remédios da mãe. Eu já estava começando a me aborrecer com a situação e não foram poucas as vezes em que inventei alguma desculpa qualquer para negar ajuda. Muitas vezes, quando fiz isso, senti nas profundezas de seus olhos que ele sabia que eu estava mentindo. Era uma sensação estranha, que mais de uma vez me atormentou durante a noite, antes do sono chegar.

Há dois meses, porém, Serafim me fez um pedido um tanto incomum: queria tábuas e pedaços de madeira, fossem eles velhos ou novos, não importando o tamanho ou a quantidade. Eu estranhei o pedido de início, mas não pude negar algo tão simples a alguém por quem eu tinha tanto apreço. Mesmo porque lascas de madeira e chapas de compensado eram o que não me faltavam, em decorrência de meu trabalho na movelaria. Aos poucos, os pedidos diários de “trocados” foram dando lugar à tábuas e paus velhos, e a desculpa do dinheiro para os remédios da mãe não precisou mais ser utilizada.

Logicamente, qualquer um estranharia o pedido de Serafim. Mas aquele era um período de férias escolares, e as crianças estavam infestando as ruas com brinquedos novos e artesanais, dentre eles a grande novidade: carrinhos de rolimã. Isso me levou a imaginar que talvez o garoto estivesse entretido fabricando seus próprios carrinhos, e até mesmo vendendo-os para conseguir algum dinheiro. Algo que me deixou, de certo modo, aliviado.

Mas pouco tempo depois, durante uma semana chuvosa, o menino de rua veio a mim pedindo apenas madeira – não mais comida ou dinheiro. A cada dia que passava Serafim emagrecia mais, e mais vermelhos ficavam os seus olhos. Até o dia em que ele não apareceu nos portões de casa, como sempre fazia às cinco da tarde de todos os dias.

Para minha angústia, fiquei sabendo naquela mesma tarde que a pequena igreja do fim da rua tivera alguns de seus crucifixos roubados na noite anterior. Cheguei então a conclusão de que o furtivo ladrão era o pequeno de olhos vermelhos, por lembrar que todos os crucifixos da paróquia eram feitos de madeira. Inúmeras dúvidas me vieram à cabeça naquele momento, dentre elas o porquê do comportamento de Serafim.

Eram quase dez horas da noite quando o olhar perturbador do garoto me veio em mente. E este não me abandonou até que eu me levantasse da cama, vestisse uma roupa apropriada e saísse rua afora atrás do garoto em sua moradia. “Casa”, em si, não era a palavra perfeita para descrever o barraco de apenas dois cômodos onde viviam o menino e sua mãe. Mas era o modo mais educado de defini-la levando em conta a renda da família. Do lado de fora desta, havia apenas uma lâmpada fraca que mal iluminava o lugar, deixando a escura esquina com um aspecto ainda mais mórbido do que o normal.

Espiei pela única janela da construção, na esperança de conseguir ver alguém em seu interior, mas o vidro estava demasiado sujo e trincado para que eu pudesse enxergar algo com nitidez. Apenas uma tênue luz no interior me chamou a atenção. Resolvi então entrar pela porta da frente, furtivamente para não assustar nenhum dos moradores. Mas ao abri-la me deparei com uma cena que me fez empalidecer instantaneamente e sentir a pior sensação de minha vida.

Postado em cima de uma velha mesa de madeira, junto à algumas velas já derretidas e aos crucifixos roubados da igreja, estava um precário caixão feito de tábuas velhas e peças de compensado, toscamente pregados. Dentro deste, estava o corpo já sem vida da mãe de Serafim, rígido e cinzento, como se tivesse morrido no dia anterior.

Como um cachorro brutalmente açoitado pelo dono, eu fugi daquele lugar o mais rápido possível e covardemente me refugiei em casa, atormentado pela visão.

Há mais de um mês aconteceu aquela terrível experiência, e desde então as coisas mudaram. Serafim raramente tem aparecido nos portões de casa para pedir algo, e quando pede o faz sempre evitando certas palavras. Remédios e madeira tornaram-se um tabu entre nós dois. Apesar disso e de sua ausência, sempre o vejo brincando na rua com os outros garotos, ainda que tenha adquirido um ar entristecido e amargurado.

Fiquei sabendo, através dos vizinhos, que sua mãe sofria de diabetes, como o próprio garoto costumava comentar, e que esta foi a causa de sua morte. Hoje em dia, todas as vezes que ouço esta palavra sinto uma náusea profunda, mesmo quando a imagem daquela noite não me vem nítida à mente.

Eu sei que de algum modo, em algum lugar escuro, naquela noite, Serafim estava me observando. Vejo isso todas as vezes em que encaro seus profundos olhos vermelhos. Aprendi, por um motivo que não sei bem dizer, a temer seu olhar e no fundo ele sabe desse medo. Nunca mais tive uma noite sequer decente de sono desde então, meus olhos agora também vermelhos me denunciam.

Hoje Serafim tem apenas 13 anos, eu 65. Mas sinto que perto dele não passo de uma criança. O menino com nome de anjo é muito mais velho do que eu. Seus olhos são a prova disso.

- M.B.B.F., 06/10/2002