Mais uma das Crônicas de Coisas Comuns. Um dos diálogos mais marcantes que já presenciei. Confira os demais em I, II e III.
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SEDUÇÃO
Ela sentou ao nosso
lado. Suada, ofegante, insinuante. Estava quente como qualquer outro
dia de Belém e o banco em que estávamos ficava sob a sombra de uma
mangueira. Escolha óbvia.
Soltou os cadarços
do antiquado par de patins, olhou pra nós e deu um breve sorriso
desinteressado. Foi o bastante pra meu amigo.
- Oi! Tudo bem? - começou o cortejo, meio sem jeito.
- Tudo... - disse ela, sem morder a isca.
Ele a encarou e deu
seu melhor sorriso. Aparelhos nos dentes, lentes grossas escondendo
os olhos escuros. Tinha dezesseis anos, virgem, espinhento e
inseguro. Nerd à moda antiga, na época em que ainda era errado e
perigoso ser intitulado desse modo.
- Gostei do piercing nos lábios – hesitou, visivelmente sem saber se acertara no comentário – seus pais não reclamam?
- Sem problema. Meu pai odiou, mas eu não ligo – disse ela, meio que rindo. Parecia ter gostado do tópico. Típica adolescente rebelde sem causa. Do tipo que faria tatuagens anarquistas no futuro, vivendo em um apartamento com piscina e quadra de tênis.
Ele me olhou
triunfante. Era seu meio silencioso de me dizer “Olha aí, bundão!
Consegui!”. Respirou fundo, ajeitou os óculos e adotou uma postura
artificialmente relaxada. Queria parecer largado, contraventor, um
legítimo bad boy.
E então suicidou-se.
- Ah, eu entendo! Você fez só pra chocar! Pelo simples prazer de transgredir as regras da sociedade!
Eu não vi os olhos
dela revirarem pra cima, ou mesmo encararem os dele com uma expressão
perplexa. Estava ocupado demais desviando o rosto e tapando os olhos
com as duas mãos. Só a ouvi levantar e ir embora sem dizer nada.
- Como é que é? – indaguei – “Pelo simples prazer de transgredir as regras da sociedade?” Mas que diabos? Você é retardado?
- Ah... É difícil saber o que falar pras mulheres...
Bota
difícil nisso!
Hum conto bem ao estilo Veríssimo. huahahuahuauhauhauhua.
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