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17 dezembro, 2012

Frase

"Não quero conversar, queria você aqui. Agora é impossível. E não adianta eu xingar o mundo por causa disso."

15 dezembro, 2012

Conto - Delírio



Acordei ontem às quatro horas da manhã sem entender bem o porquê. Sentei na cama e abri os olhos sem sono, o mundo parecia mais verde do que o normal.

Levantei e fui buscar um copo d'água. Ouvi um barulho quando estava no corredor. Meu irmão estava dormindo fora e minha irmã fora visitar meus pais em outro estado, não era pra haver barulho.

A curiosidade foi maior que o medo.

Havia um sátiro na cozinha, inclinado para dentro da geladeira, de costas para mim. Era alto, peludo e assustadoramente real. Pigarreei. Já que estava sonhando, pelo menos ia querer uma satisfação daquilo.

Ele virou a cabeça lentamente em minha direção. Os olhos eram amarelados, os dentes achatados e o queixo barbudo. Da testa brotavam dois chifres espiralados, curvando-se para trás da cabeça. Um deles tinha a ponta lascada.

- Você está sem leite - disse, com uma expressão aborrecida. Sua voz soou como um balido de cabra, o hálito insuportável.

- É... Acabou - respondi. - Você é o Diabo?

Ele pareceu mais constrangido do que ofendido. Mirou os próprios cascos e colocou as mãos para trás, como uma criança envergonhada.

- Meu nome é Carlos - disse. - Eu pareço com o diabo? - perguntou inseguro.

"Sem sombra de dúvida", pensei.

- Não - respondi. - Só estava checando!

Ele soltou um breve balido e voltou a mexer na geladeira. Encontrou uma lata de pêssego em conserva e sorriu para mim.

- O que você está fazendo na minha cozinha? - perguntei. - Ainda mais uma hora dessas!

- Procurando comida. O que mais parece? Não é fácil encontrar comida de verdade ultimamente. Achei que ia encontrar um pouco de leite... - respondeu, abrindo a lata com uma única mordida na tampa.

- Ah... Entendi. A gente tem cada sonho, né?

Ele parou de comer e me olhou com legítima curiosidade. os olhos se estreitando e as enormes orelhas de animal abaixando rente à cabeça. Ficou por quase meio minuto assim e por fim disse:

- Verdade. Sonhos são mesmo estranhos. Mas você não está sonhando! - derrubou um pouco de calda de conserva no chão.

"Aham", concordei em silêncio. Já era hora de continuar dormindo e mudar um pouco o rumo das coisas.

- Carlos, me faça um favor. A diarista só vai vir na sexta-feira e eu não tenho tempo pra limpar a bagunça direito durante a semana. Não esqueça de fechar a porta da geladeira quando terminar e limpar qualquer sujeira que fizer antes de ir embora, ok?

O enorme sátiro baliu. Não soube se ele ria ou se resmungava, mas seu rosto pareceu contrariado.

- Compre leite! - foi a única resposta, antes que voltasse a se entreter com os pêssegos.

Voltei para a cama e dormi novamente. Sonhei com viagens pela Itália e com sorvete de maçã verde com chocolate branco. Acordei quase meio-dia, desesperado por ter faltado no trabalho. Nem me dei conta de que estava de férias.

"Sonho bizarro", pensei enquanto trocava de roupa. Escovei os dentes, lavei meu rosto e comecei a pensar em qual restaurante próximo de casa ia almoçar. "Sátiro".

Peguei as chaves do carro em cima da mesa da sala e fui para a cozinha. Para sair do apartamento pelos fundos, como sempre faço.

Fechei a porta da geladeira, joguei a lata de pêssegos vazia no lixo e passei um pano molhado no chão.

E então gritei.

06 dezembro, 2012

Intertemitência

"Houvera sim, um início. Tão longínquo e imensurável quanto o fim tardio. Com seu ator mais importante, também o maestro de tal arte vindoura. Alguém tão ausente e distante quanto o acariciar do pensamento no ápice do céu vivo e sublime.

Houvera sim, um fim. Tão próximo e inimaginável quanto o início antecipado. Com seu aprendiz mais ávido, também o mestre de tal obra definitiva. Alguém tão presente e próximo quanto o ferir do sentimento na profundeza do abismo morto e palpável.

E entre o início e o fim, houvera sim, um todo preenchido e intermitente. Que nós, espectadores do infinito, batizamos de Deus."

- O Indecifrável Mundo Novo, As Crônicas do Mundo Novo