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03 outubro, 2017

Está Aqui

Tardei a entender quando tive contato com ela pela primeira vez. A inércia quase inquebrável, involuntária.

Na idade média, chamavam-na de Acídia. A preguiça da alma. Virou pecado capital nas mãos de São Tomás de Aquino. Hoje acham que a "preguiça" hedonista e indulgente é o tal pecado, mas o caminho para o inferno não é tão simplório neste caso.

Eu não entendia quem era abraçado por ela. Parecia algo distante, improvável. Pessoas que amavam seus afazeres não os quererem mais. E logicamente isto vai além: os problemas e necessidades se desenvolvem, mas o indivíduo fica estagnado.

É impossível entender até que a sinta. Verdadeiramente impossível, mas inconfundível após aceitar seu nome. Hoje eu a conheço bem. E tem sido uma luta levantar da cama todos os dias.

As louças se acumulam, as luzes de casa ficam apagadas, e as roupas ficam no lugar em que você as tira. As vezes por dias. Nada disso importa. Os problemas vão sendo perigosamente ignorados. A saúde começa a te alertar, antes que deteriore. E as obrigações vão amontoando. Mas falta coragem pra olhar. Abrir um e-mail com reclamações é como abrir uma ferida infeccionada. Um telefone tocando, ou lhe acelera o coração de modo irracional e torturante, ou é prontamente ignorado, independentemente da urgência. Você não está mais ali.

Daí você não quer se tratar, ora porque não tem forças sozinho, ora porque não aceita ser algo desse nível. Em suma, porque não acreditamos que isso exista até que a doença se instale. E até que ela assim seja nomeada: doença. Mas ela não surge como uma tosse incômoda, que se manifesta em uma manhã. Ela vem como um hábito ruim que você foi adquirindo sem perceber. Um vício sem prazeres.

E embora soe dramático falar dela, de todas as tristezas é a única que não abraça a poesia. Tanto por não haver plateia, quanto por não haver espaço pra mais nada depois de se instalar. Onipotente, onipresente. Você se torna ela.

Fui diagnosticado semana passado de algo que já sabia ter. Mas antes eram só um nome sem profundidade e um sentimento sem definição. Hoje conheço a face de cada um.

Não sei como lutar contra algo invisível. Não sinto vontade. Não sinto motivos. Não me sinto vivo. Simplesmente não sinto nada.

Mas sei que lá no fundo, todas as coisas que não sinto ainda existem. Pois ela ainda não se tornou meu Eu. Vou lutar com a parte invisível de meu ser. As razões e as amarras mais fortes que tenho pra viver.

Fazer a Depressão voltar a ser apenas uma palavra de significado distante. E tornar toda forma de tristeza novamente digna de uma poesia.

Quero acreditar nisso, como não acreditava nela.

21 setembro, 2017

Nanquim

"Qualquer um que pense que já superou seus verdadeiros medos, nunca viu um gato de pêlos arrepiados andando de lado em frente a um espelho."