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26 maio, 2014

Crônica - Nebular

Olhei pro céu hoje e vi um tapete frio, nebuloso e escurecido me separando da velha sensação familiar que tive em minha primeira epifania verdadeira.

Onde outrora havia um telhado azul, com um sol de bilhões de anos iluminando o mundo, naquele momento reverberava a melancolia de sentir-se desconectado.

Embora fosse sabido que logo ali, há milhares de milhares de medidas imensuráveis de distância fulguravam estrelas, que mesmo há um infinito de lonjura faziam parte de mim, o teto branco impenetrável e austero fez-me sentir solitário.

Melancólico, procurei sentido e lição no que o céu poderia me ensinar. E tive, não com a mesma intensidade, deslumbramento ou majestade quanto a primeira, uma nova epifania.

Existem coisas nos separando. Existem, de fato, dias frios e nuvens densas. Existem momentos em que o onipresente azul celeste e o infindável negrume espacial estão além de nossos sentidos e de nossos pequenos "eus" de dimensões pequenas. Somos, ainda que entidades cósmicas, minúsculos componentes autômatos e individuais. Pedacinhos significantes buscando o próprio significado.

Este outro lado, curiosamente, não me trouxe o mesmo assombro que tive com a primeira epifania. Creio que antes de compreender o que realmente somos como todo, existe em nosso íntimo uma noção parca do que somos como parte.

Meros espectadores do infinito.

Esquina

Me desligando da Esquina dos Mundos...

Matei não um, mas vários sonhos.


25 maio, 2014

Ela

"A falta que ela me faz as vezes me sufoca, sabe? Sei que fui eu quem terminou tudo. Eu quem me afastei de propósito - ainda que relutantemente. Eu que destrocei os sonhos. Mas mesmo assim faz falta.

Não sei explicar. Achei que fosse apenas carência, apenas tesão ou só falta de companhia e cumplicidade. Mas isso vem dela, entende? É falta dela, saudades dela, do cheiro, da voz, da pele. Seus seios, seus cabelos, seu suor, seu ventre. Especificamente ela. Nada genérico.

As vezes, por impulso mesmo, eu quase ligo ou mando mensagem. Daí penso no quanto já fiz isso, e no quanto me arrependi depois. Por vários motivos: achar que estou prorrogando o improrrogável, achar que tudo isso já está morto e enterrado, achar que não há mais volta e que o certo é seguir adiante.

No fundo não vai adiantar nada. Desculpas não vão consertar as coisas. Minha saudade não vai me fazer perdoar-me pelo que passou. E as feridas que deixei, até mesmo na família dela, foram fundas além da conta. E bom, eu me desapego mais fácil. Sempre. Tenho esses momentos, mas consigo superar depois.

Se eu compartilhar isso com ela, tudo fica diferente. Nossos materiais são outros. Ela é absolutamente pura e frágil, o cristal mais transparente e delicado que já conheci na vida. E cristais devem ser guardados, mesmo que de nós mesmos. Enquanto eu sou um bloco de metal mal trabalhado, magnetizado e atraído para todas as direções possíveis, impossível de se encaixar e simetrizar harmonicamente com nada. Não fomos feitos um para o outro. Já compreendi isso, ela não.

Só queria poder dar um 'oi' de vez em quando, sabe? Dizer que lembrei do sorriso ou da voz. Ou de algo que ela gosta e que vai ser um de seus símbolos pra mim pelo resto da vida. Mas não posso.

Escolhi, como um louco suicida e masoquista, sofrer de amor. Correspondido, sim. Consumado, não. Por um capricho meu... Que não sei explicar muito bem.

Não há razão na presença ou na ausência do amor."

- do livro Crônicas de Coisas Comuns