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16 novembro, 2018

Leitura

Antes eu achava que éramos todos pessoas impossíveis de sermos resumidas em uma página só. Desde criança eu sempre tive o hábito de, ao começar a ler um livro novo, sempre abrir na última página e ler a última linha da história. Acho que isso sempre foi meio que uma simpatia da minha parte. Um ritual próprio, íntimo e não-justificado. Claro que as vezes eu tomava um ou dois spoilers. E confesso que uma vez destruí o grande plot twist de uma das histórias fazendo isso. Mas hoje eu percebo que não quero tomar spoilers ou me afobar pra última linha. Pelo contrário. Eu quero digerir cada palavra de cada página que leio, até o sentido delas seja tão natural pra mim, que a escolha delas me pareçam óbvio. Quero repetir a sonoridade delas até perderem o sentido. E ainda assim, quero devorar o livro de trás pra frente. Acho que percebi que eu vivo parte da vida assim. Hora querendo destruir as narrativas anacronicamente. Hora desacelerando o momento até ele se tornar estático e imutável. Se isso é certo ou errado, só vou descobrir quando virar a página. Acho que precisamos, independente da forma como vivemos, sempre nos prontificarmos a virar essas páginas. Mesmo voltando atrás pra reler e reforçar nosso entendimento, mesmo pulando páginas adiante para nos informarmos com o que há de vir. Hoje acho que sim, somos pessoas de uma página só. Mas essa página se reescreve cada vez em que nos viramos adiante. A mão é a mesma, mas torna-se mais hábil. A tinta vai se esvaindo, mas aprendemos a usar ela sem borrar tanto. E nossa intimidade com a textura do papel vai se aprimorando, mesmo quando esse se suja e rasga. Espero poder escrever mais. Nesta e em outras páginas.