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02 junho, 2012

Experiências: Teatro




Vou confessar uma heresia cultural: apesar da admiração perene que tenho pela mente e pelo renome do autor, nunca li Shakespeare. Conheço, de nome e de contexto, Hamlet, Rei Lear, Macbeth (a peça cujo nome não deve ser pronunciado), Sonho de Uma Noite de Verão, dentre outras de suas obras, mas nunca as li efetivamente.

Antes de ser julgado me defendo: cresci num meio estéril de teatro e sempre achei a dramaturgia muito mais expressionista do que onírica. Carregada de choque em detrimento do devaneio do espectador. Por isso, e por conta da repulsa velada que sempre senti pelo meio teatral ávido por revoluções sem fins práticos (e repulsivo, sob minha antiga ótica preconceituosa), fiz do meu universo artístico prioritário a literatura. A palavra escrita sim, em detrimento da fala, sempre foi aquela que deteve a verdadeira razão de ser da arte de contar histórias.

Mas meu desconhecimento e aversão ao teatro nunca justificou a falta de cultura dos clássicos. Ora, se eu podia ler uma peça, sem precisar assisti-la, por que não o fiz? Por ignorância, confesso.

Meu primeiro contato verdadeiro com o Shakespeare escrito foi ontem. Sob a forma de um pequeno volume puído de Hamlet, propriedade da Universidade Estadual de Londrina. Com o uso de técnicas de leitura dinâmica, li 4 páginas rapidamente e entendi brevemente sua estrutura. E foi isso o que mais me surpreendeu.

A segunda parte da heresia confessa neste post é justamente o fato de que, como pretenso escritor, nunca tinha me deparado com a construção do texto para teatro antes. E como é simples! Não que seja fácil, mas é simples... Introdução à cena, descrição dos personagens e diálogos. Nada de descrições ou narrações, apenas embate verbal. Mais objetivo impossível.

Logicamente, por mais impetuoso que seja tomar uma decisão como essa, resolvi arriscar um teste para escrever uma peça, ainda que curta. Escrevi duas cenas que vão constituir o que, futuramente, vai fechar a história sobre a condenação e o julgamento de um nobre decadente.

Aqui está uma destas cenas, o diálogo entre o Rei Condenado e o Carrasco. Espero que gostem. =]

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Carrasco: Apruma-te e contempla altivo o último trono com teu nome. Aquele que ornará seu crânio reluzente como sinete da queda de seu regime.

Rei: Não será, porém, o primeiro e nem o último crânio a dignar-se de tal honra.

Carrasco: Ainda assim fará dele o estandarte temporal da inviolabilidade da morte. Não te orgulhas de ser um ícone?

Rei: Toma-me por tolo? Vangloriar-se-ia tu, na pós-vida, como resto descarnado, de ser o ícone da própria execução?

Carrasco: E não o somos todos?

Rei: O conjunto o é, não o indivíduo em si. Vede a forca: a corda de cânhamo, oleado e torcido; o cadafalso de madeira resinada; as dobradiças rangentes de ferro... O retrato tétrico é constituído pelo propósito de sua função, não pela prática do exercício. Virgem ou de longo uso, o instrumento mostra a que veio. Não é o pescoço estrangulado do cadáver que amedronta, mas o laço onipotente que pende da corda vazia.

Carrasco: Queres incutir na forca o peso moral da condenação.

Rei: Não! Quero lembrar-te de que o laço, quando desocupado, é capaz ajustar-se tanto ao pescoço de reis quanto ao de miseráveis.

Carrasco: Tomas teu castigo como pouco nobre?

Rei: Talvez. Mas há de se convir que não há nada mais democrático do que a morte.

3 comentários:

  1. Que ótimo!
    Um escritor é, basicamente, um contador de histórias (ou, na maioria dos casos, de estórias), então, agora que deu o primeiro passo, não mais permita que o preconceito delimite seus meios de conhecimento, de criatividade, de expressão.
    Seus leitores agradecem!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Sem limites. É como deve ser a escrita de quem tem dentro de si uma fonte transbordando a todo instante.

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