O primeiro por representar o típico cidadão estadunidense: um sujeito mau humorado e impetuoso (e um tanto quanto racista), consumidor de bens de classe média e sem perspectiva de enriquecimento, com histórico militar (o uniforme de marinha deixa claro o direcionamento da mascote), com uma família totalmente desestruturada e com o sonho de tornar-se alguém importante, seja através do enriquecimento fácil por meio da sorte (como no caso de seu primo Gastão) ou por meio de uma herança polpuda (as milhões de patacas do Tio Patinhas). Ainda assim, Donald é um insistente sobrevivente das agruras sociais norte-americanas, um exemplo admirável de resignação e alienação perante o sistema que lhe impuseram.
Ele reclama, briga, esperneia, mas sabe que no fundo não pode fazer nada e que sua expressividade é mínima no que diz respeito a mudar algo. Como todo cidadão típico, ele ama os EUA. Conflitando diretamente com outros indivíduos (e povos de outras etnias) que não condizem com aquilo que o sonho americano julga ideal: Donald reclama dos outros mas não move uma palha para mudar seu meio. A culpa de sua revolta e desgraça é alheia, causada pelos males propagados por aqueles que sujam a imagem do país idealizado por Tio Sam.
Por esse motivo, Donald é um ótimo exemplo de sátira do cidadão americano. A caracterização do absurdo cômico. O fracassado que se odeia por ser assim e não fazer nada para melhorar.
Do outro lado temos o bom (ou seria ruim?) e velho (bota velho nisso, seu nascimento data de 1867) Tio Patinhas, o pato mais rico do mundo. Um bom pastiche do imigrante bem sucedido, que batalhou a vida inteira mundo afora para obter riquezas, mas que só veio encontrar o que buscava no País das Oportunidades - e se você já leu a obra "A Saga do Tio Patinhas", do genial Don Rosa, você sabe do que estou falando... Só pra resumir, o pato só vem a se tornar realmente rico após encontrar uma imensa pepita de ouro ao garimpar nas montanhas do Klondike.
Diferentemente do sobrinho Donald, a rabugice do velho Patinhas tem sua origem em seu passado de privação e dificuldades, e em seu presente de pouca valia para o usufruto do esforço que teve para juntar a fortuna. Tio Patinhas está velho, amargurado e pouco disposto a dividir com os outros "vagabundos" toda a riqueza que obteve em suas aventuras. Apenas os verdadeiros merecedores de sua consideração talvez possam gozar deste privilégio, como as raras demonstração de afeto deste para com a Vovó Donalda (ainda mais velha que ele) e para com os sobrinhos de Donald.
Patinhas beira uma morte inalcançável, vivendo em um mundo de valores perdidos e de futilidade desmotivadora. Não existem mais aventuras, não existem mais desafios. Só lhe resta relembrar os bons tempos (e os amores perdidos, como Dora Cintilante) e proteger sua #1 contra os inúmeros inimigos que fez durante a vida. O retrato do velho judeu avarento, cunhado por Charles Dickens, é retratado pelo personagem de Barks com o acréscimo de ter um histórico rico e uma personalidade bem mais detalhada.
Adoro ambos os personagens, não só por suas alusões sociológicas e pelo histórico bem construído, mas também pelo que eles representaram para a minha infância (as tardes de chuva em casa, quando criança, assistindo os vhs do Pato Donald ou dos DuckTales) e pelo valor literário inerente ao material produzido por um dos maiores nomes dos quadrinhos. Sou um verdadeiro fã das obras de Calr Barks, e lamento profundamente por ter perdido a chance de ter adquirido a coleção completa de suas histórias, quando tive a chance - aceito de presente, viu pessoal?
E para a minha surpresa e curiosidade, descobri hoje que existe um episódio das animações do Donald que faz propaganda pró-EUA na Segunda Guerra Mundial. O episódio se chama "Der Fuhrer's Face", que significa "A Face do Fuhrer", e mostra o pato sofrendo com as agruras de se viver em uma Alemanha Nazista escravizadora de seus próprios membros (e um tanto quanto exagerada).
Apesar de o episódio parecer, a princípio, uma propaganda Nazista velada, é possível notar uma série de críticas bem humoradas e inteligentes ao método de conversão ideológica utilizado pela Alemanha na época, e também ao fanatismo proclamado pelos membros do Partido Nazista. Com um pouco de atenção fica claro notar qual o posicionamento e o interesse por trás do episódio, desmentindo as teorias esdrúxulas daqueles que dizem que o Pato Donald faria uma apologia aos ideais de Hitler e cia.
Para quem ficar na dúvida, o final revela exatamente o que está acontecendo com Donald, bem como qual é o remédio para se evitar uma situação aterradora como aquela. Alguém aí adivinha qual?
Os super-homens arianos: um gordo tímido, um imigrante japonês, um homossexual e um anão histérico.
Ei, e eu estava mesmo falando sério sobre me darem de presente livros e quadrinhos da coleção do Barks do Donald e do Tio Patinhas, viu?
A nível de curiosidade, apesar de ainda aparecer firme e forte nos quadrinhos da Disney, o velho Patinhas nasceu em 1867, o que lhe daria mais de 140 anos de vida, se calculássemos sua idade atualmente. O personagem, por outro lado, data oficialmente de 1947, onde aparece em uma história chamada "Christmas on Bear Mountain". Curiosamente, sua primeira aparição extra-oficial (porque ele não é mostrado sob a identidade que tem agora) é de 1943, em uma animação chamada o "Espírito de 1943", que mostra o pato Donald sendo aconselhado pelos dois lados de sua consciência, o velho avarento e um outro personagem mão aberta, que viria no futuro dar origem ao personagem Gastão, primo de Donald.
O que poucos sabem, porém, é que o personagem Patinhas MacPatinhas, apesar de suas aparições contemporâneas nos quadrinhos, morreu em 1967, aos 100 anos de idade. A morte se deu por conta de uma arte de Don Rosa, publicada em 1991 por um fanzine alemão. A Disney, posteriormente, oficializou o acontecimento e publicou uma homenagem ao personagem na revista Walt Disney Treasures - Uncle Scrooge - A Little Something Special - Sixty Years of Comics Riches.
A ilustração polêmica do funeral de Patinhas
Obs: Tristeza por tristeza, com exceção daquele punhado de super-heróis ridículos que morrem e voltam a vida, alguns autores famosos já mataram seus personagens de modo definitivo, sabia? Até aqui no Brasil isso já aconteceu, quando Maurício de Souza publicou uma pequena série de histórias contando sobre a morte da irmãzinha de Chico Bento, Mariana. Outro personagem da turminha que também já bateu as botas (e voltou) foi o Anjinho, que morreu na época de Cristo. Mas isso fica pra outro post.
Um abraço.
Cara, acredito que "A Origem do Tio Patinhas" mensionado no texto não seja uma história de Carl Barks, mas sim de seu sucessor Don Rosa.
ResponderExcluirAs histórias de Carl Barks ficaram consagradas por ele ser o criador que deu forma e corpo a personagem do Tio, porém eu particularmente prefiro as do Don Rosa pela preocupação demostrada pelo autor de não se contradizer nem contradizer Carl Barks (além do traço limpo e bem definido).
Quanto a coleção completa das obras de Carl Barks é possivel encontrar no mercado livre em português ou no ebay em inglês, apesar de que eu as achei caras por lá, talvez tenhas mais sucesso procurando na estante virtual (http://www.estantevirtual.com.br/), passei bastante tempo procurando a edição de capa dura da origem do Tio Patinhas, mas só encontro pra vender em formatinho...
Pra completar confirmo que adorei o texto e concordo com cada palavra sobre as descrições das personagens. Textos assim são muito bons. Abraço
Opa, verdade, fiz uma confusão aqui. A Saga do Tio Patinhas é mesmo de Don Rosa, e não do Barks. Já corrigi o autor e o título da obra. Valeu pela dica Renan.
ResponderExcluirAbraço
Um grande problema da Disney é grande autonomia que cada estudio local possui, muito da história da "A Origem do Tio Patinhas" conflitou com histórias publicadas na Europa, onde o Tio Patinhas tem sua própria lista de histórias que nunca foram publicadas em nenhum outro canto do mundo. Então relamente acho dificil saber que autor aceitar como "versão verdadeira", ainda apoio o Don Rosa.
ResponderExcluirY_Y
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