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23 agosto, 2010

Conto - Lua Azul


Um dia eu acordei procurando o sol. Para a minha surpresa, era noite.
Debrucei-me na janela de meu quarto, e pus-me a olhar para o céu.
Lá em cima, adornada por sóis de mundos distantes, vi o pálido espelho do mundo.
Cada ponto brilhante imerso no manto escuro era um plano. Uma realidade intocável.
Cada uma emanando respeito e mistério, velados pelo silêncio de nossa imaginação.
Mesmo os que há eras deixaram de existir, insistiam em fulgurar na cúpula escura.
Deuses esquecidos. Vestígios de civilizações. Histórias trágicas. Supernovas.
Cada ponto, um fragmento do infinito. Cada estrela, uma eternidade registrada.
E em meio à todas elas, havia o espelho.

A lua pra mim sempre pareceu distante e ilusória. Um mero relato da fascinação humana.
Sem graça, superestimada. A deusa inalcançável, mundanizada pelo fogo e pelo metal.
Colocaram-lhe os pés. Fincaram-lhe uma haste. Por sua fraqueza, nunca amei a lua.
Mas naquela noite, no momento em que busquei o sol em plena madrugada, eu vi.
Vi a resignação de uma dama maculada, dançando em silêncio ao redor de seu captor.
O silêncio do espelho refletia o ruído da imagem original.
Era uma canção estridente. Uma música de desorientação e caos. Lamúrias infantis.
Sob o sol, e a luz, e o céu claro, e as nuvens fugazes, não nos dávamos conta da cacofonia.
Não ouvíamos a palpitação de nosso sangue. O refluxo de pensamentos e medos.
Não se ouvia mais as voz de Deus.
Havíamos calado a boca do mundo, gritando mais alto do que podíamos ouvir.
Matamos o silêncio.

Um dia eu acordei procurando o sol. Para a minha surpresa, era noite.
Naquela noite, dormi procurando a lua. Para a minha surpresa, era dia.
Naquela hora, descobri que não sabia o que procurava.
Para a minha surpresa, continuo sem saber.

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Nota de Curiosidade: Para quem nunca ouviu a expressão lua azul, ela vem do termo em inglês "blue moon", que serve tanto para designar a segunda lua cheia de um mês, quanto para descrever algo raro e que inspira tristeza. Em alguns contextos também pode significar um feito impossível de ser realizado.

2 comentários:

  1. Bom dia.
    Lendo o seu conto, me veio à mente a citação:- "...e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio" (Clarice Lispector).
    Como te disse antes, gosto da forma como você escreve, tem sempre muita qualidade!

    P.S:- Será que tenho algum vício de interpretação por sempre ligar seus contos à frases do meu perfil o orkut?!?!?

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  2. *--------------* A-D-O-R-E-I


    escreve mais? /fazbiquinhoecomosolhosbrilhando

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