Conto escrito especialmente para o livro Terra Devastada, que será lançado em breve pelo promissor estúdio A Casa de Plástico. O livro-jogo trará a temática (apreciada por muitos) de zumbis em um cenário pós-apocaliptico.
Agradeço ao John Bogéa e ao Fabrício Caxias por terem me convidado para escrever alguns contos para o livro. Obviamente não vou colocar todos aqui - e nem mesmo os melhores, vocês precisam comprar o livro pra conferir! =}
Mas eis uma amostra bem simples do que está por vir.
Sabe, eu sempre achei a vida uma brincadeira de mau-gosto. Como se Deus, ou o que quer que exista por trás disso tudo, ficasse olhando pra nós o tempo inteiro só esperando o momento em que estamos felizes ou aliviados, para então nos enterrar em desgraças. Antes eu achava isso, hoje tenho certeza.
Cara, por quanto tempo eu aguentei? Por quantos malditos meses eu sobrevivi nesse inferno? Uma hora nesse lugar já se parece com uma década. Porra, eu sabia que não devia ter saído do abrigo. Falei pra Elisa e pro Cid mais de mil vezes que os lazarentos se guiam pelo cheiro e pelos sons, andar de noite só é pior pra nós, que dependemos da visão. E agora... Ah, agora já era...
O idiota do Cid foi cercado. O que eu podia fazer? Arriscar a minha vida? Aprendeu a lição tarde demais.
A Elisa está aí, inteira, viva, sem nenhum arranhão. Dormindo do meu lado aqui no sofá, derrubada pelo cansaço e pelas drogas que ela usa toda noite pra se dopar. Só vai acordar amanhã de tarde. Essa vadia inútil.
E eu com essa puta mordida no braço esquerdo, que mais parece um ninho de moscas. Nunca pensei que infeccionasse tão rápido. Se não fosse pela morfina eu tava fodido. Fiquei sabendo que muitos morreram por menos; arranhões e tal. Mas eu não ligo. Devo ser um dos que são imunes, se é que tem imunidade contra essa praga. Já levei uns duzentos arranhões antes.
Claro que se eu mostrasse pra Elisa ela já teria metido um balaço na minha cabeça, então fiquei quieto. Se duvidar nem vai dar em nada. Antibióticos, álcool, morfina, alguns pontos e já fico novo em folha pela manhã. Se supurar eu amputo, sem choro.
Só o que realmente incomoda é essa febre. Cara, eu tô morrendo de frio. Parece que quanto mais conhaque eu tomo, mais gelado fico. Me aninhei num monte de cobertores, lençóis, roupas e o escambau, mas continuo tremendo. Minhas mãos estão insensíveis por causa da febre e minha visão tá toda embaçada. A última vez que me olhei no espelho eu parecia um fantasma de tão pálido. Vomitar sangue me deixou mesmo bem abatido...
Será que os lazarentos sentem isso? Ou estão podres demais pra sentir qualquer coisa?
Ah, foda-se... Amanhã vou estar melhor. Na pior das hipóteses acordo a Elisa e peço uma sopa ou alguma outra coisa quente pra comer.
Aliás, que fome desgraçada...
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