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22 maio, 2010

Deuses de Concreto

Ontem, voltando do trabalho, passei na frente de uma agência de turismo. Algo me chamou a atenção: havia um pequeno embrulho, mais ou menos do tamanho de uma agenda, embalado em papel marrom, em cima de um daqueles suportes típicos de panfletos que ficam na frente das lojas. Não havia nada escrito nele, nada que indicasse de quem era, ou porque estava ali.

Fiquei parado por alguns minutos, curioso, observando o pacote. Esperava que alguém aparecesse subitamente e viesse apanhar a encomenda. Ninguém apareceu. Provavelmente não era algo da agência, pois ninguém de dentro vinha apanhar o embrulho - e ele estava bem visível para os funcionários da loja. Logo, outras (poucas) pessoas que passavam na rua, também pararam pra olhar com curiosidade o pacote. No entanto, ninguém se atrevia a sequer tocá-lo. Resolvi seguir meu rumo.

Hoje Londrina falou comigo de novo, mas não com um embrulho. Voltando d'O Armazém Café, depois de um café solitário, cruzei com um rádio, em uma esquina vazia. Na verdade, um CD Player de pilha, tocando uma canção antiga que não reconheci.

Ele estava lá, sozinho e imerso em seus próprios delírios, assim como eu estava. Tocando músicas desconhecidas e melancólicas, sem alimentar-se de nenhuma energia externa. Uma manifestação da voz do Deus das cidades.

Não sei porque motivos havia um pacote fechado, endereçado à lugar nenhum, em uma rua movimentada; quase um símbolo sagrado, intocável pelas mãos, mas cobiçado pelos olhos. Também não sei qual era o motivo de haver um rádio ligado, abandonado em uma esquina vazia; um sussurro de épocas diferentes, esquecidas. Ambos sedutoramente convidando os transeuntes à levar-los consigo, ainda que reprimindo os gestos mais ousados, motivados pela curiosidade.

Sempre pensei no planeta como um ser vivo. Uma criatura monstruosamente complexa e grande, alheia aos parasitas de sua epiderme. Essa semana vi o espírito de uma cidade, mesmo que em marcas sutis. Um dos inúmeros parasitas do planeta, mas ainda assim um ser muito maior do que os seres humanos. Talvez ele não seja tão alheio à nós como achamos. Pode ter consciência de seus inquilinos e, vez ou outra, demonstre sinais de existência através de algumas provas displicentes de sua indolência para conosco. Talvez tenhamos criado sua anima, em meio ao turbilhão de manias que temos de humanizar nossas posses e propriedades. Ou, quem sabe, não passamos de manifestações oníricas dos espíritos da cidade.

Essa semana um deus falou comigo; deu sinal de sua existência através de caprichos simples. Um deus mundano. Um deus de concreto.

Curiosamente, como eu havia dito anteriormente, "Meus deuses não são de concreto."

2 comentários:

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