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18 abril, 2012

Conto - Inverno


Um trecho pequeno do meu livro Delírios ao Amanhecer para os leitores do Astronauta. =]





Inverno levantou a velha lamparina em frente ao rosto, mas a luz não penetrou mais do que poucos metros além da muralha sombria de árvores e arbustos à sua volta. Quanto mais andava em direção ao lugar onde deveria haver uma clareira, mais a vegetação ia ficando densa, fechada e misteriosamente silenciosa.

O guerreiro apurou os sentidos por um instante, buscando captar alguma espécie de som ou brilho longínquo, que pudesse denunciar a presença das pessoas que pensara ter avistado há alguns momentos, quando saiu de sua trilha para seguir os desconhecidos. Mas a luz do suposto acampamento parecia ficar cada vez mais distante conforme caminhava e, subitamente, todos os indícios das pessoas que avistara desapareceram.

Na escuridão opressiva, sentiu o silêncio pesar sobre a floresta como se a própria vida resolvesse esconder seus sinais. Nenhum inseto, nenhuma ave, nenhum predador. Nem mesmo o vento, que outrora soprava com dificuldade por entre as copas altas, balançando suavemente as folhas encobertas pela neve, mostrava-se presente. Ali, de certo modo, não era o seu lugar.

É dito que algumas florestas antigas tem vida própria. Que após existirem durante dezenas de milhares de anos, antes mesmo das primeiras civilizações terem surgido, algumas regiões selvagens desenvolvem um tipo peculiar de consciência. Territorial, intolerante, malévola. Lugares tão profundos no coração das matas que possuem habitantes próprios, singulares. Tão velhos, enigmáticos e perigosos como seu próprio lar.

Enquanto se concentrava, Inverno se deu conta de que não fazia a menor ideia de quanto tempo já havia gasto caminhando fora da trilha. As lembranças mais recentes pareciam distantes e impessoais, apagadas e tênues como um sonho de infância. Não lembrava mais do rosto e dos nomes dos companheiros que deixara para trás, e tampouco do motivo pelo qual se embrenhara na escuridão verde. Estava perdido, de fato, tanto no espaço quanto no tempo, e sabia que as perspectivas só tendiam a piorar.

Então, como se sempre tivessem estado ali, à sua volta, cerca de uma dúzia de pares de olhos surgiram na escuridão. Um brilho amarelado reluzindo nos limites da luz da lamparina. Olhos que não eram humanos e nem pertenciam ao seu mundo. Todos em silêncio, observando-o, como a uma presa.

Neste momento, o guerreiro que fora batizado em virtude da frieza de seus sentimentos, sentiu uma sensação muito mais fria e intensa do que jamais sentira em toda a sua vida de batalhas e perdas. Uma forma terrível, absoluta, antiga e primitiva de medo.

2 comentários:

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