Seções

06 junho, 2010

Conto - Memórias


Alisha estava pronta. Não tão pronta a ponto de se sentir segura para a experiência vertiginosa que viria a seguir, mas pronta o suficiente para encarar com temor e curiosidade o que ela não poderia mais evitar. Não evitar, após tantos anos de preparo. Não sendo esta sua primeira, última e única chance de obter sucesso. Não agora.

Estudou a vida inteira para compreender os segredos que viria a encarar; meditou desde pequena para esvaziar de sua mente as distrações que o cotidiano insiste incomodamente em anexar aos pensamentos; sonhou a cada momento com o poder que viria a obter. Desde que nascera, Alisha estava destinada a atravessar a membrana que separa todo o conhecimento que o mundo já presenciou, do limitado mundo mortal das provações e da ignorância sem limites. Alisha viria irromper através da Éride, e mergulhar prontamente na Memória do Mundo; mais conhecida por seu povo como o Dharma.

O ritual se iniciou com a solenidade invisível que somente o isolamento total e o anonimato poderiam proporcionar. Sem possuir um tutor, a aeshir deveria guiar os próprios instintos e sensações através dos impulsos mais sutis que seus sentidos poderiam captar: o aroma das memórias do mundo, a visão do delírios dos seres, o som do arrastar das estrelas, o toque do universo em suas penas.

Respirando fundo embalando-se pelo transe, em breve a ilusão do tempo se prolongou até as beiradas do infinito, para depois se desintegrar como um sopro de sal ao vento. Foi quando o mundo começou a girar e a realidade retorcer sobre si mesma.

Um turbilhão de imagens, sons, sensações, lembranças e sonhos se atropelaram na mente de Alisha, mas ela sabia que seria tarde demais para voltar atrás. Se desse ao menos uma mínima importância para a menor que fosse destas distrações, acabaria presa entre duas realidades para sempre. A profusão se intensificou e prontamente assumiu a forma de dor; experiências, anseios e traumas perfuraram sua consciência como agulhas incandescentes. Em breve, todo o deslumbramento e a ansiedade animada por poder e conhecimento deu lugar à medo e desorientação...

Então tudo cessou.

Alisha viu sua própria consciência sendo trespassada, e a fina membrana da Éride se rompendo em um ponto invisível. Por detrás dela, havia a memória do mundo. O infinito.

A aeshir, depois de cinco décadas de vida, nesta encarnação, finalmente pode compreender o verdadeiro sentido da palavra liberdade. Sua consciência agora não estava mais limitada às margens físicas de um corpo material, mas sim mergulhada no oceano de onde se originava todos os pensamentos, memórias e conhecimentos.

Aquele, sabia a aeshir, era o Dharma. A energia que rege e harmoniza toda a criação. A matéria prima de todas as coisas, a verdade em sua forma pura. Mesmo sem ter consciência imediata da grandeza de sua conquista, Alisha – agora uma dharmâne – sabia que não existia, em vida, um privilégio maior do que aquele.

Estar imersa em Deus.

Um comentário:

  1. ola boa tarde,eu nao achei o campo para parceria e por isto estou escrevendo aqui. eu adicionei o seu banner em meu blog, e gostaria de pedir o mesmo a voce, sucesso

    @riomarbruno
    www.euteexplico.com.br

    ResponderExcluir

O Astronauta das Marés agradece profundamente pelos comentários de seus leitores. Cada interação do público com o blog me motiva, ainda mais, a postar novidades e escrever textos de qualidade. Obrigado pela força galera.

Ah, e comentários que iniciem discussões serão levados adiante, caso o assunto seja de relevância.