PANTUFA
Tudo começou numa inocente trapaça:
Velha, feia e suja. Não te queriam nem de graça.
Mas como história inspiradora, um anjo logo apareceu.
E o enganado pela dupla, óbvio, fui eu.
Fingindo ser filhote. "Um pobre bebezinho."
Precisando de um lar, implorando por carinho.
Te colocaram em minha vida como um fardo inesperado.
Tomou conta do sofá. Justamente do meu lado!
Com o tempo - e alguns banhos - fui cedendo à simpatia:
Ronronando no meu colo. Sempre a primeira a dar 'bom dia'.
E como pra retribuir, encontrou sua vocação:
Foi porteira, foi padeira, testadora de colchão.
Com rinite todo dia. Eu reclamava sem saber.
Da injustiça que seria, ir dormir sem ter você.
Sua mãe por outro lado, pra ninar até cantava.
"Com a Tufa no meu colo, os problemas não são nada!"
Os anos se passaram e o amor só foi crescendo.
Mas a esquecida, inevitável, enfim chegara com o tempo.
Ronronando até dormir, ontem você partiu.
O sofá voltou pra mim. Mas o lugar ficou vazio.
Vou lembrar, eternamente, do seu olhar apaixonado.
Do cheiro de pelúcia velha. Do "ké" que não era miado.
Agradecerei todos os dias pela mentira abençoada.
De adotar uma gatinha que era velha disfarçada.